O ano era 1996.
Já (e apenas) no terceiro semestre do curso de Tecnólogo em Processamento de Dados (hoje Bacharelado em Sistemas de Informação) na FIC (hoje UFN), começamos então a ter a disciplina de "Algoritmos". Até então, nunca havia ouvido aquela expressão, tampouco fazia ideia do que se trataria. Devo, de antemão, dizer do impacto que essa disciplina trouxe para o meu conhecimento geral, assim como a mudança da minha forma de pensar que ela promoveu. Mas, o que é algoritmo?
Tá, não é meu objetivo querer ensinar o que é algoritmo. Por conta disso, e para contextualizar, vou já apelar para a nossa Wikipedia:
Para também resumir o assunto, cabe aqui a orientação, nada menos pedagógica, de se assistir o filmezinho da moda "O Dilema das Redes", Um daqueles filmes semelhantes aos documentários ambientalistas patrocinados pelo Al Gore, ou políticos produzidos pelo Michael Moore os quais todos se chocam ao assisti-los mas que, horas depois, tudo volta ao normal, por mais impactante que possa ser. Ou seja, depois de um tempo, tu volta a cagar para o lance.
No entanto, não apenas reconheço a importância do impacto gerado pelo filme, como creio que esse deva sim ser objeto de reflexão para todos, principalmente para pais e educadores. Para que se compreenda melhor o que vou escrever, seria muuuuuuuuuuuuito bom se tu que tá lendo essa bagaça já tivesse assistido ao filme.
Essa problemática, claro, não é de hoje.
Ou melhor, é!
As redes sociais já estão conosco já fazem uns 15 anos ou mais, desde o tempo do falecido Orkut. Tempo o suficiente, porém, para que muita coisa nesse âmbito venha a se desenvolver e evoluir.
Remeto minhas lembranças ao ano de 2005 onde estava cursando a pós-graduação "Especialização em Informática Aplicada à Educação" na qual a principal tecnologia em estudo era a Internet. Uma internet, no entanto, ainda "ingênua": não haviam ainda grandes repositórios de informações (as plataformas, como a Wikipedia); o Google ainda dividia mercado com Yahoo! e Altavista; as redes sociais estavam recentemente surgindo; o smartphone ainda não existia e; a principal habilidade a ser aprimorada era a técnica de pesquisa através dos buscadores e a navegação através pelo hipertexto. Ou seja, naqueles dias, a pesquisa pela Internet ainda era "romântica", pois os resultados de busca eram mais ecléticos e heterogêneos, sem ações comerciais massivas promovidas por potentes algoritmos.
Pois já em 2011, na mesma UNISC onde fiz minha pós, lá estava eu fazendo meu mestrado. Nessa ocasião, já tínhamos a rede wi-fi com as redes sociais bloqueadas em ambiente acadêmico, um sinal de que as redes sociais já estavam por ali e de certa forma atrapalhando o emprego real da tecnologia da informação disponível.
Bem, desde aqueles tempos eu já vinha tendo contato com textos, artigos e postagens (de fontes confiáveis...,aguardem o post das "fake news") que falavam sobre a segmentação e segregação que as redes sociais e seus algoritmos de busca e retorno de resultados faziam. Cabe aqui uma ajudinha para quem ainda tá boiando sobre os algoritmos de redes sociais (no mínimo tu não viu o filme! 😡):
O pior reflexo do domínio dos algoritmos, no entanto, não é este. Ele está sim no campo da ideias.
Se tu tens (é claro que tem!) algum tipo de posicionamento político, certamente já recorreu às redes sociais para acessar, ler, consumir ou mesmo se manifestar sobre suas ideias. Quem não fez isso, que atire a primeira pedra. Agora, junta o consumo (teus acessos e pesquisas) e produção desse tipo de conteúdo com os diabólicos algoritmos das redes sociais, o que temos? Resposta: um brete.
Isso mesmo, um brete virtual de informação para nossas mentes. Afinal, com a mesma lógica de reconhecimento de padrões de acesso e pesquisa, os robozinhos (como também são conhecidos os algoritmos das redes sociais operam retornando as devidas sugestões de conteúdo. Explicando de outra forma, toma-se tudo o que tu acessou sobre determinado assunto nas redes sociais (e aqui vamos nos deter à política) e novas sugestões virão aparecer com base no teu histórico. Ou seja, se em algum momento tu se declarou fã do Trump (acessando curtindo, comentando e visitando sistematicamente conteúdo pró-Trump), todas as próximas pesquisas e sugestão de conteúdo a ser acessado irão conspirar "a teu favor" explodindo na tua tela.
E qual o problema disso?
Simples, bem simples: foi-se o contraditório.
Tu não tem mais acesso (na verdade, até tem, se pesquisar e conseguir fugir do padrão que os robôs impuseram ao teu perfil) a outras opiniões, pois tudo o que tu for pesquisar vai cair numa tendência de ideia promovida pelos algoritmos.
Fazer a gente comprar coisas é, portanto, café pequeno perto do estrago que as redes estão fazendo na sociedade em todo o mundo no momento em que os algoritmos das redes sociais e buscadores influenciam na segregação das pessoas. Basta ver o que aconteceu nos EUA com a eleição do Biden. Aquela invasão ao Capitólio não foi apenas treta que o Trump causou, mas um acirramento de ânimos que já vem ocorrendo a tempos lá devido a reflexos da ação desses algoritmos e a limitação lógica à conteúdos promovida.
Tá, claro, não é só culpa das redes sociais. Não é algo tão apocalíptico assim, mas elas tem um dedinho sim.
Mas, não custa reforçar: depois de traçado nosso perfil nas redes sociais, não se tem acesso ao contraditório, sem falar no fato de que, em inúmeras vezes, se lê (ou assiste) parte do conteúdo ou até mesmo apenas a chamada ou o título da postagem, ainda sem sequer apurar suas fontes (mas isso é assunto para outro post...). O filme "O Dilema das Redes" fala bem isso. Não apenas as redes sociais, mas muitos outros serviços, como os de streaming (Netflix, HBO, Disney,...) os quais também possuem avançados algoritmos que processam os perfis dos usuários mediante seus acessos, restringem as sugestões de acesso bombardeando o usuário com conteúdos similares e com relação entre si. Nesse caso, a tecnologia da internet nos propiciou o serviço de conteúdo "a la carte" numa interação síncrona entre usuários e plataforma no momento e que se pode escolher o que quer acessar e a que hora fazer, ao contrário da comunicação assíncrona como nos sistemas convencionais de TV (seja aberto ou fechado) onde estes apresentam uma grade de programação e ponto final. Temos finalmente a forma mais democrática de acesso à informação onde barreiras geográficas e temporais são finalmente quebradas, que é a internet e as redes sociais. Já a TV, até que a barreiras geográficas OK, mas as temporais não, pois tudo tem hora para acontecer. O ponto negativo, é a ausência do contraditório nos serviços "a la carte" (por exemplo: se tu é colorado, tu não vai acessar um vídeo de piada do Inter, vai? Por conta própria, duvido). Já no sistema de TV, várias opiniões podem ser veiculadas e o consumidor nada pode fazer senão desligar a TV.
Agora, junta tudo e dá uma analisada no que aconteceu aqui, na eleição de 2018:
Então, temos um candidato, antagonista (e põe antagonista nisso) aos 14 últimos anos de governo atual e que se propõe a disputar a eleição presidencial. O cabra não tem grana, não tem um partido descente e não é um grande expoente na política brasileira. Ou seja, completamente contra o establishment para uma disputa séria eleitoral, pois é (ou era) de censo comum que, para sucesso nessa eleição, acesso à mídia tradicional é essencial. E isso custa caro muito caro.
Eis então o fenômeno "live nas redes sociais", as quais qualquer um assiste na hora que quer, onde e como quer. E para fazer uma live, basta ter um celular e... Go on man!! A eleição do Bolsonaro foi basicamente calcada nas redes sociais. E, usando as redes com invejável habilidade, o candidato foi eleito, sendo sua eleição marcada como a primeira no país onde estas plataformas foram determinantes.
E o que a eleição dele tem a ver com a porra dos algoritmos?
Tudo!
Não apenas a eleição, mas também o acirramento entre as diferenças de ideologia. Afinal, hoje ou tu tá com ele ou tu não tá, simples assim. O acesso às informações é maior, mais ágil e efetivo hoje pelas redes sociais. A mídia tradicional está constantemente sendo tachada de mídia golpista, mídia vendida, imprensa lixo, etc... Em muitos casos, os veículos de imprensa parecem não mais ter credibilidade, pois há toda uma contestação no conteúdo desta, ao invés da crueza com que a informação é transmitida pelas redes sociais e direcionada pelos seus algoritmos. (a treta com a imprensa é pra outro texto). Não vou, nem devo, entrar no merito e fazer juízo de valor sobre a imparcialidade da mídia tradicional, algo muito discutido nos dias de hoje, a considerar o viés em se tomar as redes sociais como "veículos de comunicação e imprensa livre", um terreno onde não há regulamentação alguma sobre a devida prática jornalística sendo a ética apenas um verbete a se pesquisar no Wikipédia. Mas isso é assunto pra outro post...
Esse evento não apenas marcou uma nova era, mas também continua refletindo muito no perfil político da população brasileira. Assim como nos EUA, aqui no Brasil também temos, como já explicado, um afloramento nas diferenças políticas que extravasam o campo único das ideias. Isso levou à perda do respeito e empatia entre as pessoas, a briga entre familiares a dissolução de amizades de décadas, coisa nunca antes vista. Houve polarização e consequente segregação das pessoas em grupos cada vez mais homogêneos, distantes da possibilidade de relacionamento e interação com o antagonismo.
E mais. Parece que nas redes sociais todo o mundo vira homem, até mesmo as mulheres. Coisas que ninguém teria coragem, ou que simplesmente o censo comum impediria, de dizer presencialmente a uma pessoa, são ditas de forma mal educada e totalmente despudorada. As redes sociais não possuem arbitragem no linguajar nem no trato entre as pessoas. E com o isolamento social, as coisas só vieram a piorar.
Enfim, meus queridos, esse é o primeiro dos post da série "Os Dias de Hoje", sem contar o prólogo, claro. Não podia deixar de abordar esse tema porque é pré-requisito para o próximo: "fake news".
Espero que tenham gostado. Afinal, é apenas a humilde opinião de quem vos escreve.