domingo, 14 de março de 2021

Os Dias de Hoje - Os algoritmos das Trevas

 

O ano era 1996. 

Já (e apenas) no terceiro semestre do curso de Tecnólogo em Processamento de Dados (hoje Bacharelado em Sistemas de Informação) na FIC (hoje UFN), começamos então a ter a disciplina de "Algoritmos". Até então, nunca havia ouvido aquela expressão, tampouco fazia ideia do que se trataria. Devo, de antemão, dizer do impacto que essa disciplina trouxe para o meu conhecimento geral, assim como a mudança da minha forma de pensar que ela promoveu. Mas, o que é algoritmo?

Tá, não é meu objetivo querer ensinar o que é algoritmo. Por conta disso, e para contextualizar, vou já apelar para a nossa Wikipedia:

"Em matemática e ciência da computação, um algoritmo é uma sequência finita de ações executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema."

Então é isso! Algoritmo é, nada mais nada menos, do que um programa de computador, a considerar que, "todo o programa de computador é um algoritmo, mas nem todo o algoritmo é um programa de computador".

Contextualizações e ressalvas feitas, vamos ao cerne da questão...

Todos, de uma forma ou de outra, já leram ou ouviram sobre as redes sociais e seus famigerados algoritmos. Eis meu foco de debate agora.

Para também resumir o assunto, cabe aqui a orientação, nada menos pedagógica, de se assistir  o filmezinho da moda "O Dilema das Redes", Um daqueles filmes semelhantes aos documentários ambientalistas patrocinados pelo Al Gore, ou políticos produzidos pelo Michael Moore os quais todos se chocam ao assisti-los mas que, horas depois, tudo volta ao normal, por mais impactante que possa ser. Ou seja, depois de um tempo, tu volta a cagar para o lance.

No entanto, não apenas reconheço a importância do impacto gerado pelo filme, como creio que esse deva sim ser objeto de reflexão para todos, principalmente para pais e educadores. Para que se compreenda melhor o que vou escrever, seria muuuuuuuuuuuuito bom se tu que tá lendo essa bagaça já tivesse assistido ao filme.

Essa problemática, claro, não é de hoje. 

Ou melhor, é! 

As redes sociais já estão conosco já fazem uns 15 anos ou mais, desde o tempo do falecido Orkut. Tempo o suficiente, porém, para que muita coisa nesse âmbito venha a se desenvolver e evoluir. 

Remeto minhas lembranças ao ano de 2005 onde estava cursando a pós-graduação "Especialização em Informática Aplicada à Educação" na qual a principal tecnologia em estudo era a Internet. Uma internet, no entanto, ainda "ingênua": não haviam ainda grandes repositórios de informações (as plataformas, como a Wikipedia); o Google ainda dividia mercado com Yahoo! e Altavista; as redes sociais estavam recentemente surgindo; o smartphone ainda não existia e; a principal habilidade a ser aprimorada era a técnica de pesquisa através dos buscadores e a navegação através pelo hipertexto. Ou seja, naqueles dias, a pesquisa pela Internet ainda era "romântica",  pois os resultados de busca eram mais ecléticos e heterogêneos, sem ações comerciais massivas promovidas por potentes algoritmos.

Pois já em 2011, na mesma UNISC onde fiz minha pós, lá estava eu fazendo meu mestrado. Nessa ocasião, já tínhamos a rede wi-fi com as redes sociais bloqueadas em ambiente acadêmico, um sinal de que as redes sociais já estavam por ali e de certa forma atrapalhando o emprego real da tecnologia da informação disponível.

Bem, desde aqueles tempos eu já vinha tendo contato com textos, artigos e postagens (de fontes confiáveis...,aguardem o post das "fake news") que falavam sobre a segmentação e segregação que as redes sociais e seus algoritmos de busca e retorno de resultados faziam. Cabe aqui uma ajudinha para quem ainda tá boiando sobre os algoritmos de redes sociais (no mínimo tu não viu o filme! 😡):

Os algoritmos das redes sociais são um conjunto de regras e dados matemáticos responsáveis por fazerem as suas postagens se destacarem ou não no feed dos seus clientes.

Beleza? E para essa bagaça funcionar, imagina a combinação colossal de potencia de processamento, capacidade de armazenamento e complexidade de programação desses algoritmos, no momento em que tu tens ali aplicações de inteligência artificial sendo empregadas (mas calma, a Skynet não vai assumir). Sim, é muita coisa, é muita tecnologia, é muita grana, sendo algo cada vez mais utópico (ou distópico), difícil de imaginar que isso pode de fato existir. Caindo na real, portanto, aquelas afirmações de aspecto cinematográfico e literário de que estamos sendo espionados, catalogados e monitorados pelo Google e Facebook é uma grande... verdade! 


Isso mesmo! Experimenta falar baixinho perto do celular da tua namorada que quer comprar um tênis Nike Air Max de tamanho 40 (😁) e veja depois o resultado quando tu for acessar as tuas redes sociais no teu celular. 
É, o bagulho funciona!
 Claro, não estamos na China onde todo o mundo é monitorado pelo estado 24 horas por dia (embora talvez não fosse uma má ideia, por medida de segurança, mesmo que tenha muito debate a se fazer...), a considerar que esses algoritmos são (em princípio) de cunho exclusivamente comercial. Aí é que ferrou tudo.

Como assim, cunho comercial?

Isso é consenso de todos, desde autoridades até mesmo pelas próprias redes sociais: os algoritmos foram desenvolvidos para que o usuário obtenha acesso naquilo que realmente lhe interessa (cabe aqui uma observação. existem apenas duas ocasiões em que denominamos o consumidor de "usuário": no mercado de drogas e na tecnologia da informação). Então, se tomarmos a capacidade das redes sociais de disponibilizar ao usuário somente o que lhe interessa e associar esse potencial à analogia do consumo de drogas, então temos algo a refletir. Os algoritmos funcionam assim: na medida em que acessamos conteúdos de diversas formas, em diversos formatos e em diferentes momentos, acabamos por montar um enorme banco de dados de cada um de nós, fazendo com que sejam mapeados todos os nossos gostos e interesses. Com base no colossal processamento desses  dados através dos algoritmos,  as redes sociais e buscadores (não podemos nos esquecer deles) apresentam seus resultados de busca, ou simplesmente sugestão de assuntos, notícias, produtos e serviços que supostamente serão do interesse do "usuário".

Tá, e daí? Isso não é bom?

Num primeiro momento, sim. Mas, não é! É terrível. E os reflexos já existem... e são graves!

E primeiro lugar, os algoritmos transformaram as redes sociais em arcabouços para nossas mentes. Experimentei ficar algumas horas sem passar a mão no celular e dar uma espiadinha no Instagram ou no Facebook... Foi incrível a dependência. 

Não se trata aqui de aguardar o próximo like ou comentário em alguma foto, mas sim da subconsciente necessidade de verificar qual é a próxima novidade que a porra do algoritmo vai nos trazer na rede social. Claro que, nesse caso, até pode se contornar com providencias simples, tais como: ficar longe do celular 10 minutos antes de dormir, desativar todas as notificações e um pouco de esforço em eventos sociais procurando deixar o celular quietinho ali sobre a mesa. Nesse último caso, o problema reside se os demais presentes vão te acompanhar nessa abstinência. Mas, enfim...

Só que, de novo: não eram esses os objetivos das redes sociais. O objetivo delas (não menos filho da puta) era de vender seu principal valor: o "usuário" (nós!). Ou seja, uma empresa contrata o serviço de um rede social qualquer para promoção de seu produto. No momento em que algum usuário demonstrar interesse através de seus acessos e pesquisas sobre produtos semelhantes ao da empresa que anuncia, o conteúdo desta é direcionado a esse usuário. E assim a roda gira. É uma atividade legal, mas não menos filho da puta, pois as redes sociais estão, na prática, vendendo aos anunciantes as pessoas e todo o seu perfil pessoal definido pelos algoritmos. 

O pior reflexo do domínio dos algoritmos, no entanto, não é este. Ele está sim no campo da ideias.

Se tu tens (é claro que tem!) algum tipo de posicionamento político, certamente já recorreu às redes sociais para acessar, ler, consumir ou mesmo se manifestar sobre suas ideias. Quem não fez isso, que atire a primeira pedra. Agora, junta o consumo (teus acessos e pesquisas) e produção desse tipo de conteúdo com os diabólicos algoritmos das redes sociais, o que temos? Resposta: um brete.

Isso mesmo, um brete virtual de informação para nossas mentes. Afinal, com a mesma lógica de reconhecimento de padrões de acesso e pesquisa, os robozinhos (como também são conhecidos os algoritmos das redes sociais operam retornando as devidas sugestões de conteúdo. Explicando de outra forma, toma-se tudo o que tu acessou sobre determinado assunto nas redes sociais (e aqui vamos nos deter à política) e novas sugestões virão aparecer com base no teu histórico. Ou seja, se em algum momento tu se declarou fã do Trump (acessando curtindo, comentando e visitando sistematicamente conteúdo pró-Trump), todas as próximas pesquisas e sugestão de conteúdo a ser acessado irão conspirar "a teu favor" explodindo na tua tela.

E qual o problema disso? 

Simples, bem simples: foi-se o contraditório. 

Tu não tem mais acesso (na verdade, até tem, se pesquisar e conseguir fugir do padrão que os robôs impuseram ao teu perfil) a outras opiniões, pois tudo o que tu for pesquisar vai cair numa tendência de ideia promovida pelos algoritmos. 

Fazer a gente comprar coisas é, portanto, café pequeno perto do estrago que as redes estão fazendo na sociedade em todo o mundo no momento em que os algoritmos das redes sociais e buscadores influenciam na segregação das pessoas. Basta ver o que aconteceu nos EUA com a eleição do Biden. Aquela invasão ao Capitólio não foi apenas treta que o Trump causou, mas um acirramento de ânimos que já vem ocorrendo a tempos lá devido a reflexos da ação desses algoritmos e a limitação lógica à conteúdos promovida. 

Tá, claro, não é só culpa das redes sociais. Não é algo tão apocalíptico assim, mas elas tem um dedinho sim.

Mas, não custa reforçar: depois de traçado nosso perfil nas redes sociais, não se tem acesso ao contraditório, sem falar no fato de que, em inúmeras vezes, se lê (ou assiste) parte do conteúdo ou até mesmo apenas a chamada ou o título da postagem, ainda sem sequer apurar suas fontes (mas isso é assunto para outro post...). O filme "O Dilema das Redes" fala bem isso. Não apenas as redes sociais, mas muitos outros serviços, como os de streaming (Netflix, HBO, Disney,...) os quais também possuem avançados algoritmos que processam os perfis dos usuários mediante seus acessos, restringem as sugestões de acesso  bombardeando o usuário com conteúdos similares e com relação entre si. Nesse caso, a tecnologia da internet nos propiciou o serviço de conteúdo "a la carte" numa interação síncrona entre usuários e plataforma no momento e que se pode escolher o que quer acessar e a que hora fazer, ao contrário da comunicação assíncrona como nos sistemas convencionais de TV (seja aberto ou fechado) onde estes apresentam uma grade de programação e ponto final. Temos finalmente a forma mais democrática de acesso à informação onde barreiras geográficas e temporais são finalmente quebradas, que é a internet e as redes sociais. Já a TV, até que a barreiras geográficas OK, mas as temporais não, pois tudo tem hora para acontecer. O ponto negativo, é a ausência do contraditório nos serviços "a la carte" (por exemplo: se tu é colorado, tu não vai acessar um vídeo de piada do Inter, vai? Por conta própria, duvido). Já no sistema de TV, várias opiniões podem ser veiculadas e o consumidor nada pode fazer senão desligar a TV.

Agora, junta tudo e dá uma analisada no que aconteceu aqui, na eleição de 2018:

Então, temos um candidato, antagonista (e põe antagonista nisso) aos 14 últimos anos de governo atual e que se propõe a disputar a eleição presidencial. O cabra não tem grana, não tem um partido descente e não é um grande expoente na política brasileira. Ou seja, completamente contra o establishment para uma disputa séria eleitoral, pois é (ou era) de censo comum que, para sucesso nessa eleição, acesso à mídia tradicional é essencial. E isso custa caro muito caro.

Eis então o fenômeno "live nas redes sociais", as quais qualquer um assiste na hora que quer, onde e como quer. E para fazer uma live, basta ter um celular e... Go on man!! A eleição do Bolsonaro foi basicamente calcada nas redes sociais. E, usando as redes com invejável habilidade, o candidato foi eleito, sendo sua eleição marcada como a primeira no país onde estas plataformas foram determinantes. 

E o que a eleição dele tem a ver com a porra dos algoritmos?

Tudo! 

Não apenas a eleição, mas também o acirramento entre as diferenças de ideologia. Afinal, hoje ou tu tá com ele ou tu não tá, simples assim. O acesso às informações é maior, mais ágil e efetivo hoje pelas redes sociais. A mídia tradicional está constantemente sendo tachada de mídia golpista, mídia vendida, imprensa lixo, etc... Em muitos casos, os veículos de imprensa parecem não mais ter credibilidade, pois há toda uma contestação no conteúdo desta, ao invés da crueza com que a informação é transmitida pelas redes sociais e direcionada pelos seus algoritmos. (a treta com a imprensa é pra outro texto). Não vou, nem devo, entrar no merito e fazer juízo de valor sobre a imparcialidade da mídia tradicional, algo muito discutido nos dias de hoje, a considerar o viés em se tomar as redes sociais como "veículos de comunicação e imprensa livre", um terreno onde não há regulamentação alguma sobre a devida prática jornalística sendo a ética apenas um verbete a se pesquisar no Wikipédia. Mas isso é assunto pra outro post...

Esse evento não apenas marcou uma nova era, mas também continua refletindo muito no perfil político da população brasileira. Assim como nos EUA, aqui no Brasil também temos, como já explicado, um afloramento nas diferenças políticas que extravasam o campo único das ideias. Isso levou à perda do respeito e empatia entre as pessoas, a briga entre familiares a dissolução de amizades de décadas, coisa nunca antes vista. Houve polarização e consequente segregação das pessoas em grupos cada vez mais homogêneos, distantes da possibilidade de relacionamento e interação com o antagonismo.

E mais. Parece que nas redes sociais todo o mundo vira homem, até mesmo as mulheres. Coisas que ninguém teria coragem, ou que simplesmente o censo comum impediria, de dizer presencialmente a uma pessoa, são ditas de forma mal educada e totalmente despudorada. As redes sociais não possuem arbitragem no linguajar nem no trato entre as pessoas. E com o isolamento social, as coisas só vieram a piorar.

Enfim, meus queridos, esse é o primeiro dos post da série "Os Dias de Hoje", sem contar o prólogo, claro. Não podia deixar de abordar esse tema porque é pré-requisito para o próximo: "fake news".

 Espero que tenham gostado. Afinal, é apenas a humilde opinião de quem vos escreve.

Os dias de hoje - Prologo

 Após um hiato de quase doze meses, aqui novamente estamos. Os motivos que denotam tanto tempo de silêncio nesse espaço são inúmeros, porém não menos distantes daqueles que outrora assim o fizeram silenciar. Sim, de tempos em tempos a mente, a consciência e as mãos se alinham com a esporádica ausência da preguiça para novamente voltar a expressar as ideias um tanto inquietantes que fermentam nessa cachola. Cabe, antes de mais nada, lembra que, o Templo da Abóbora tem esse objetivo: "quando der na telha, vir aqui e escrever, independente do que for, sobre o que for ou quando for". 

Aqui estamos nós novamente. Se tu que estás lendo isso não é novo por aqui, já sabe da ecleticidade deste blog (pero no mucho!), cujas postagens navegam por entre contos, resenhas de livros e filmes e opiniões pessoais sobre alguma coisa. Definitivamente não é um blog pra ganhar dinheiro, pois a tosqueira vai desde seu design commoditizado pelos templates disponíveis pelo Blogger até minha total impaciência na revisão ortográfica, o que denota um monte de erros de digitação, a despeito de meu maior zelo e respeito por nossa língua materna.

Inevitável nesses tempos de pandemia não tentar creditar a esta tudo de diferente e ruim que estamos passando. Considero-a, num primeiro momento, apenas um pano de fundo, frente a todas as transformações rápidas e perigosas que passamos em apenas um punhado de anos. Ou seja, nem pensávamos em COVID-19 quando tudo explode, de forma que - sinceramente - tenho agora uma enorme dificuldade em começar a escrever no sentido de sequer saber por onde começar, tipo como se estivesse começando a comer um mingau quente: pelas beiradas, girando o prato.

Sim, é tanta coisa: o boom das redes sociais (a citar "O Dilema das Redes", já assistiu?), o boom das fake news, a polarização mundial e nacional da política, a discussão da tentativa do fim da liberdade de expressão e a chatice do politicamente correto, o questionamento sobre o nosso STF e - a cereja do bolo - a súbita soltura do Lula. Tudo isso tá fervendo e borbulhando aqui, tornando até difícil conversar numa roda de amigos, pois sinceramente não consegui ainda organizar o que penso. É muita informação de tudo quanto é lado, além do fato de eu não ser catedrático nessas paradas aí. Por conta disso, me vejo até na obrigação de escrever, tentando assim organizar um pouco tudo isso, algo até em prol da minha saúde mental.

Esse prólogo será para uma série de um texto por dia que irei (tentar!) escrever nessa semana que se passará: minha última de férias restante. Para aqueles que estarão a fim de me acompanhar, sejam bem-vindos. Mas devo fazer algumas ressalvas:

a) Não estarás lendo palavras de um estudioso em ciências políticas e econômicas, tão pouco de um imbecil que acha que sabe muito (por falar nisso, assiste esse vídeo aqui!). São apenas minhas impressões, muitas vezes imprecisas apesar do esforço de se contextualizar ao máximo;

b) Não falarei qual é minha posição política (como se precisasse). Quem me conhece já sabe o que penso, assim como o que aqui postarei irá desnudar minhas convicções, mesmo que eu procure manter um pragmatismo;

c) Se toparás, peço que não lei apenas o titulo ou mesmo apenas um parágrafo ou frase antes de tecer algum comentário. O post sobre as fake news que escreverei irá falar sobre isso.

É isso, vamos para os textos!

Abraço a todos!