quinta-feira, 16 de abril de 2020

Diluvio*


*Contribuição de Falco Eleanorae

É incrivelmente engraçado como o calor está atrelado a sensações maliciosas. Cecília saía do banho quente e sentia-se intensamente aconchegada. Vestia seu robe branco macio e, enquanto penteava os cabelos na frente do espelho, contemplava a si mesma, satisfeita com o que enxergava. Era tarde da noite já. Mas quem se importa? Cecília não tinha mais nada a fazer - uma noite inteira somente para si. Olhou deliberadamente o celular. A mensagem havia chegado, Oi! dizia o texto, como sempre. Ainda tomada da sensação lasciva que o banho despertara, atirou-se despretensiosa sobre a cama, as pernas para fora do robe, dando continuidade a conversa que mantinha com regularidade. Cecília gostava de conversar com ele. Sempre gostou. Aliás, Cecília sempre deixou-se encantar por quem dominava essa arte. Inteligência sempre a atraiu. Mas se o conteúdo viesse com uma boa apresentação, bom, então Cecília sentia-se entregue. Pensando exatamente nisso e ainda sentindo-se como que embriagada por um excelente vinho, Cecília - ah, pobre Cecília - escreveu mais rápido que seu pensamento: VEM PRA CÁ. A resposta demorou muito mais que o de costume, mas quando chegou, Cecília leu com satisfação: "estou quase chegando". Propositalmente, Cecília sequer penteou novamente o cabelo; ficou exatamente como estava. Ao toque da campainha, ela abriu a porta. Ele estava arrumado. Nem muito, nem pouco - o suficiente para mostrar que era pra ela. Descaradamente maliciosa, Cecília desculpou-se por recebê-lo com o que vestia. - Onde foi que paramos? Ela perguntou. Ele, olhando para ela inteira, respondeu: -Quando? Dessa vez, foi Cecília que exitou em responder. - Há muito tempo atrás, foi a resposta, ao mesmo tempo em que o deixava o robe mostrar mais do que quando estava só. As sensações que se seguiram começaram a deixar Cecília cada vez mais zonza, cada vez mais quente, cada vez mais sufocada. Cecília abriu os olhos e a água quente, agora mais quente, jorrava com força sobre ela. Respirou fundo, passou as mãos sobre si como que se abraçando, fechou a torneira e saiu do banho. Ficou parada na frente do espelho, os braços esticados como se empurrasse o balcão da pia, a cabeça para baixo. Depois que recuperou o fôlego, levantou o tronco, olhou nos próprios olhos, bateu nas bochechas ainda rosadas e pensou: Uau, a minha conta de água!!!