Iniciamos esse post com a célebre frase do antropólogo e ícone do tradicionalismo gaúcho, Nico Fagundes, para, antes de mais nada, afirmar meu orgulho de ter nascido e de ainda viver nessa terra querida e amada. Digo isso porque o que irei expressar logo abaixo talvez não venha a agradar a alguns dos mais apaixonados bairristas gaúchos. Mas, devo também salientar que tenho alguns bons motivos para defender o que escreverei, embora eu afirme que não há nada de depreciativo ao nosso estado em imnhas idéias. Muito pelo contrário, apenas acho que devemos sim ter os pés no chão, pricipalmente para não perdermos os valores na linha de fundo e viver apenas de um passado saudosista.
Vamos lá.
Estive lendo algumas pubicações em revistas e na própria Internet sobre o assunto "barrismo gaúcho". Não há dúvidas de que esse comportamento transita entre o ufanismo exacerbado de fanáticos idealistas separatistas e à provocação debochada de esclarecidos brincalhões, que valorizam até as "piores coisas" de nosso estado.
Este último é, e deve ser, o espírito bairrista sudável que deve permear em nosso povo. Em conversa com uma colega de academia, que é paulista, ouvi dela algumas observações interessantes feitas por ela ao longo de 4 anos morando aqui em Santa Maria: "Vocês são bairristas, mas de uma maneira interessante, tipo 'pode ser ruim, mas é nosso' ". Isso é verdade, já cansei de ouvir gente dizendo, por exemplo, que as praias de Santa Catarina são lindas e tal, mas que curtem mais as do RS porque gostam de vestir um moleton quando cai a noite, e coisas do tipo.
Até aí tudo bem. Mas o que quero destacar é uma reflexão que devemos fazer relativa aos festejos da Semana Farroupilha, que evocam a histórica Revolução Farroupilha, como se esta fosse responsável por tudo o que há de de bom, de sucesso e prosperidade no nosso estado. Não é bem assim.
Existe um estereótipo com relação ao gaúcho que aos poucos (e felizmente) está sendo mudado com o passar dos anos: aquele de que pra ser gaúcho, tem que usar bombacha, andar a cavalo, ir a rodeio e viver no campo. Nesse caso, eu vejo uma divisão cultural muito grande no RS: àqueles gaúchos guascas "do interior do interior" ou que se dizem do interior e que adoram usar uma bombachinha e aquelas boinas do tamanho de uma pizza média (os gauchinhos de apartamento), e aqueles gaúchos da capital e dos centros regionais, como Santa Maria, urbanos, que falam pra lá de cantado e que a principal expressão idiomática é o "bah".
Na verdade, devemos partir do seguinte princípio: podemos ser o que quisermos. Se um paulista quiser se tornar gaúcho, pois se identificou com a cultura e com os costumes gaúchos, que fique a vontade, não interessa onde ele nasceu. Em seguida não podemos esquecer dos novos elementos que contemplam a personalidade do gaúcho: se é gremista ou colorado, se gosta de um bom churrasco, se curte comer bergamota lagarteando no sol do inverno depois do almoço, se prefere o chimarrão ao cafezinho no trabalho, e por aí vai...
Por isso sou um sério questionador de algumas posições do onipotente Movimento Tradicionalista Gaúcho, o MTG. Essa entidade, responsável por ditar o que faz e o que não faz parte da cultura gaúcha desde a década de 30 pode ser a grande responsável por matá-la aos poucos fazendo com que ela se definhe por falta de renovação cultural. Essa cúpula do MTG, que defende os "ideais de 35" determinou a "aculturação dos elementos imigrantes ou descendentes", como está escrito em sua própria Carta de Intenções. Ou seja, de acordo com o documento, alemães, italianos e castelhanos, por exemplo, não pertencem à cultura do Rio Grande do Sul.
Esse é um erro crasso. Segundo o renomado e saudoso historiador gaúcho Décio Freitas, se a República Riograndense tivesse se consolidado, em consequencia de sua vitória na Revolução Farroupilha, o nosso estado não seria o que é hoje. Em primeiro lugar, a economia do RS não evoluiria e permaneceria totalmente dependente da pecuária, falaríamos uma mistura de portugues com guarani e não teríamos a pujança da industria que temos hoje. O historiador lembrava que o Rio Grande do Sul é um estado industrializado graças ao emprego da mão-de-obra especializada advinda da imigração italiana e alemã, e que este fluxo de imigração ocorreu graças à política ocupacional promovida pelo governo imperial brasileiro no final do séc. XIX, 40 anos depois da Revolução.
Creio que seja mais salutar então tomarmos a Revolução Farroupilha como, sim, um grande marco na história do RS, mas responsável apenas por plantar nossa identidade cultural. Os gaúchos tomam até hoje a Revolução Farroupilha como inspiração para todo e qualquer desafio, seja na política, seja no esporte ou em qualquer outra instância. O problema é tomar o evento da revolta dos farrapos como uma campanha inacabada que ainda deve ser levada a cabo. Aí temos a idéia separatista.
Os problemas da idéia separatista são muitos. Em primeiro lugar, tomar como um dos fundamentos para o separatismo gaúcho o exemplo da Revolução Farroupilha é outra pisada na bola: a epopeia farroupilha foi uma revolução de fazendeiros em defesa dos próprios interesses, que prometeram liberdade aos escravos, mas seguiram escravocratas. Contesta-se, com isso importância dada a esse momento histórico, observando que a guerra foi financiada pela venda de escravos. Relembremos a vergonhosa batalha de Porongos, último confronto da Revolução, em que os negros foram desarmados pelos próprios farroupilhas e massacrados pelos soldados do Império. A bem da verdade é que "nós perdemos a Revolução Farroupilha", pois não existiu um tratado de paz, mas uma simples anistia e algumas concessões.
Falar em separatismo gaúcho sem citar o folclórico gaúcho de Santa Cruz do Sul, Irton Marx, é como deixar passar a parte mais interessante do assunto. Embora seja um megalômano viajandão, esse alemão fala algumas coisas interessantes. Marx é o idealista da "República do Pampa Gaúcho", descrita em seus livros e textos, ignorando o fato de que a criação de um país e seus elementos, como nome, bandeira e hino, devem surgir dos anseios de seu povo e não apenas das idéias de uma única pessoa. Infelizmente, a maioria das idéias desse cara são absurdas e patéticas, o que levaram sua pessoa ao descrédito e o tornaram motivos de piada, levando a questão separatista gaúcha ser relegada ao ridículo.
Mesmo assim, existem pessoas que ainda insistem nessa idéia, defendendo posições discriminatórias, beirando a xenofobia, que na verdade não passam de mito. É fato que a cultura gaúcha (graças à influência do fluxo de imigração europeu) é conhecida como de trabalhadores, de homens e mulheres íntimos do "lavoro", que gostam e se dedicam ao trabalho, e sua prosperidade vem disso. Mas defender o separatismo afirmando que "somos o único povo trabalhador de toda uma nação" ou que "somos menos corruptos e criminosos" que os demais é outro tropeço. Também temos corruptos e também temos preguiçosos. O RS ainda é um estado forte, mas lembremos que já foi muito mais. Então, o que houve?
A questão do ufanismo gaúcho é complexa. Não pretendo num único post responder a todas as perguntas que pudessem vir a surgir sobre esse assunto, é impossível. Trafega entre as discussões dos valores obtidos pela Revolução Farroupilha, passando pelo conservadorismo do MTG, pela aceitação da agregação de novos elementos na cultura gaúcha, pela redefinição do estereotipo gaúcho, culminando no real papel que o estado teve e tem hoje no Brasil.
É interessante, no entanto, notar como a cultura gaúcha num todo absorve muitas outras, estejam de acordo ou não aqueles conservadores. Partimos do princípio a análise daqueles que frequantam CTGs e suas etnias: italianos, alemãe, espanhóis, poloneses, árabes,... Enfim, dificil em uma festa do interior não ter um churrasco com cuca e polenta.
Mesmo assim, qual é o gaúcho que não tem orgulho de ser gaúcho? Todo o gaúcho tem esse orgulho, e é muito bom ter esse orgulho. Quem não se emociona num jogo do Grêmio ou do Inter quando ouve o hino riograndense? As ressalvas que julgo serem necessárias são: o cuidado que temos que ter com o bairrismo exacerbado e banir duma vez a idéia medíocre que gaúcho é só aquele que anda de cavalo no campo.
Alguns links sobre o que escrevi acima:
http://www.al.rs.gov.br/
http://www.overmundo.com.br/overblog/quem-tem-medo-de-irton-marx
Espero que não me xinguem. Por fim, saúdo a todos os irmãos gaúchos pelo nosso dia. E para concluir, um vídeo publicitário da Cerveja Polar, que aborda o bairrismo gaúcho de maneira bem humorada: muito divertido!
Feliz Dia do Gaúcho tchê!!!