sábado, 6 de julho de 2013

O surrealismo do mundo acadêmico


Não é de hoje que ando as favas com o mundo acadêmico. Já escrevi vários posts nesse blog baixando o pau no corporativismo desse meio e chorando as pitangas por sempre encontrar portas fechadas nesse corredor cujo acesso é regido por um verdadeiro ritual de puxasaquismo onde a contestação de idéias acaba por ser um pedregoso caminho misturado com ovos que não podem ser quebrados. Isto é, metáforas a parte, ou tu segue e faz o que os cardeais das universidades mandam ou tu tá fora do clubinho deles.
Por muito tempo defendi este tipo de ideia até o fim sendo estas um tanto heterodoxas, é verdade, pois não compreendia de fato o mecanismo e os devidos objetivos do meio acadêmico: não conseguia entender para que servia um trabalho científico, uma pesquisa, ou seja lá o que for se não houvesse um emprego prático.
Mas nada como um pouco de esclarecimento para uma mente limitada no assunto, no caso a minha. Aos poucos fui entendendo, por exemplo, por que cargas d'água professores com alta titulação limitavam-se a ministrar uma ou duas cadeiras no máximo na graduação: pelo fato de serem pesquisadores e estarem mais embuídos em projetos de pesquisa do que propriamente estarem nas salas de aula, e as universidades servem para isso mesmo, caso o contrário seriam apenas colegiões de ensino superior. Ta bom, lição aprendida.
Observando esse mundo ainda obscuro, porém sobre esta nova perspectiva, comecei a perceber outras coisas que suscitavam novos questionamentos a este, como as produções científicas, o ritmo de suas concepções e as metas de produção que as instituições impunham aos seus pesquisadores. Afinal de contas, o que vem a ser estes produtos? Bem, basicamente projetos e artigos científicos. Papers, just papers... artigos e mais artigos a serem constantemente submetidos para publicação em periódicos científicos e projetos devidamente concebidos como verdadeiras iscas com o objetivo de fisgar alguma graninha em algum programa de bolsas científicas liberado ou pelos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, ou mesmo através das inúmeras picaretagens, ops... fundações de amparo a pesquisa e tecnologia espraiadas por este Brasilzão. Papers, just papers,... more and more papers...



Sem dúvida alguma que a coisa não é fácil e não é pra qualquer um. De fato, tem-se nos processos de produção científica resultados excelentes, trabalhos excelentes. Mas também tem muita porcaria, muito lixo, muito absurdo que simplesmente ao lê-los me fazem eu me sentir um completo idiota pelo fato de não conseguir entender como um monte de bosta daquelas pode ser aprovado em alguma publicação ou algum evento para ser apresentado. Minha indignação com essa realidade parecia ser apenas solitária pois estava começando a achar que realmente eu ainda não estava conseguindo compreender a essência do mundo acadêmico e portanto, não poderia fazer parte dele. O motivo dessa dificuldade é claro para mim: além de ser um vadio durante o período de faculdade nunca consegui ser puxa-saco de professor, questionando suas posições e conclusões (um erro primário e crasso para quem quer ser acadêmico). Em seguida, porque após minha formatura, imediatamente ingressei no mercado de trabalho, na iniciativa privada, mexendo com coisas reais e aplicáveis, fazendo a coisa funcionar e vendo funcionar. Se alguém estivesse a fim de se manter na academia, então deveria já ter esboçado essa afinidade com pesquisa desde o início, antes mesmo de se formar, tendo boas notas, sentando no colinho dos professores, participando de grupos de pesquisa, submetendo-se a tudo o que os professores dizem e mandam escrever, enfim... sendo inteligente e não burro como eu.


No mundo acadêmico, percebi isso, a tua opinião não importa muito, mas a de quem te orienta nos trabalhos, direcionada, claro, a apenas serem aceitas pelos avaliadores deste mundo surreal. E ai de não estar o nome deles estampado no título do artigo ou projeto como autores (você será apenas o co-autor, janjão). Não estou alfinetando o outro lado da moeda, mas sabemos que o mundo acadêmico é calcado em pensamentos, hipóteses, teoremas e corolários e, convenhamos, se vai funcionar ou não, não é uma preocupação prioritária para eles, pois o que importa são os papers. Estou generalizando, claro, e teremos um exemplo disso logo a seguir.
Já ciente de como a coisa funciona, comecei a refletir a respeito: nadar contra a maré, mijar contra o vento e dar murro em ponta de faca não são, definitivamente, estratégias aceitáveis no mundo acadêmico: os inteligentes (que não é o meu caso) apenas ouvem e obedecem, escrevem o que é dito e reescrevem o que já está escrito, e ponto final. Sem dúvida alguma que tudo isso era um exercício mental novo para mim, um profissional que já está acostumado a ser criativo, proativo e implementador (desculpe a falta de modéstia). Nesse contexto, também comecei a refletir da real importância, ou mesmo necessidade, de ser realizar o tal mestrado: ora, se não estava concordando em como a coisa funciona nesse meio e minha inserção nesse parecia ser muito complicada, para que então fazer esse troço? Foi fácil de responder a mim mesmo: em primeiro lugar há mais de 10 anos eu botei na cabeça de fazer um mestrado e quem sabe um doutorado. Parecia um sonho distante (vide post), mas com o andar da carruagem as aboboras se acomodaram. Em segundo porque o título de Mestre é relevante inclusive fora do mundo acadêmico, as empresas acordaram para isso e estão valorizando cada vez mais profissionais com essa titulação. Na empresa onde trabalho, muitos profissionais com mestrado e doutorado atuam como consultores e possuem seus trabalhos bem estimados. Em terceiro porque eu comecei e já investi uma grana alta nesse negócio e burrice minha seria não concluir, pois estou mais para o fim do que para o início. Em quarto, porque o mestradinho aumenta as chances em um possível concurso público, embora definitivamente este esteja sendo cada vez um foco menor. Em quinto porque gostaria de ter mais de um emprego, então como já tenho experiência em sala de aula e gosto de lecionar, nada mal em dar aula em alguma universidade particular. Mas eu disse "dar aula" e não fazer pesquisa, pois ser pesquisador não é pra qualquer um. Para se ter êxito nesse tipo de empreitada, é preciso saber bem por onde anda e aceitar as conclusões surrealistas das pesquisas, mesmo que ninguém as entenda patavinas ou que algumas destas não sirvam para porra nenhuma, desde que gerem papers, just papers.
O brabo não é não compreender como a coisa funciona, mas sim ver que as vezes até mesmo quem já está a anos no metiê se fode com a tecnocracia babaca do meio acadêmico. Tenho como orientadores dois baita professores (não estou puxando saco, é que os caras são legais mesmo): um professor Engenheiro Químico que concluiu seu doutorado em Caracas cuja linha de pesquisa é análise multivariada (linha do meu projeto) e outro Doutor Engenheiro Eletricista ex-professor da Escola Naval do Peru tarado por modelos matemáticos. Estes me orientaram a escrever um artigo científico para que fosse submetido ao ENEGEP - Encontro Nacional de Engenharia de Produção, para posterior apresentação deste em seminário. E o tal artigo foi recusado pelo avaliador cujo artigo caiu em seu colo. A avaliação do cara foi capaz de revoltar até mesmo meus orientadores.
Escrevi um artigo sob orientação com o seguinte título: DEFINIÇÃO DE NÍVEIS DE COMPLEXIDADE DE PRODUÇÃO EM UMA INDUSTRIA DO SETOR FRIGORÍFICO BOVINO. Refere-se ao tratamento que apliquei aos dados de cadastro de produto da empresa onde trabalho para reduzir o número de variáveis através de técnicas estatísticas para posterior aplicação de uma PCA - Principal Component Analisys  - a fim de se criar um novo índice de eficiência produtiva.

Veja bem, conforme o resumo do artigo (acima), a intenção do trabalho era apenas apresentar a técnica utilizada para aglutinar e reduzir o número de variáveis em faixas de níveis de complexidade de produção. Eram mais de 1.700 produtos, cada qual com sua devida complexidade de produção, e com a aplicação dos conceitos de CEQ (Controle Estatístico de qualidade) reduzimos estes a apenas 9 faixas de complexidade. Não era, nem nunca foi, intenção nesse artigo aplicar a PCA para a geração do índice de eficiência produtiva, pois este será sim o resultado final de meu relatório de projeto de dissertação. Acho que isso ficou bem claro logo no resumo e introdução do artigo. No entanto, a avaliação do artigo foi o ó do borogodó. Faço nesse momento questão de mostra-la, sem nenhum tipo de constrangimento.




Tá certo. O artigo foi completamente detonado não por apenas um motivo em especial mas por todo o contexto. Em síntese, minha tentativa de produzir a porra de um paper deu num verdadeiro lixo acadêmico. Mas aos olhos de apenas um avaliador e não dos meus orientadores.
Muito da baixa avaliação se deveu ao fato de ter escrito o artigo na ultima hora. Sim, isso é um fato! Submeti este no último dia de prazo não dando tempo para que os professores ponderassem sobre o texto em si na intenção de melhora-lo. Eu fiquei sabendo no ultimo instante do prazo para o tal ENEGEP e por isso tive apenas 2 dias para escrever um artigo científico, que diga-se de passagem é um troço extremamente murrinha de se fazer, pois se você mencionar que foi ao banheiro em algum instante tem que ter alguma fonte teórica sendo referenciada.
Os meus orientadores fizeram a mea culpa com relação ao fracasso da submissão do artigo. Eu na verdade até tinha uma pontinha de esperança que fosse aprovado, mas não estava muito esquentando a cabeça, pois por estava mais focado nos projetos de expansão industrial na empresa onde trabalho, ou seja, no mundo real. Portanto, estava cagando e andando para isso e não dei muita bola. O que me chamou a atenção, e que por fim me motivou a escrever esse post foi a expressão de surpresa dos professores pelo parecer dado ao artigo, aos olhos deles, sem pé nem cabeça. Vale a pena, nesse momento, avalia-lo de modo mais criterioso.
Primeiramente, o avaliador diz: "Principal objetivo que seria a aplicação da PCA não foi feito."
Não precisa nem mesmo ler todo o artigo, basta ler apenas o resumo trazido a este post para concluir que o objetivo do artigo NÃO ERA A APLICAÇÃO DA PCA, mas apenas uma etapa no tratamento de variáveis para possibilitar a aplicação da PCA. Qual foi a parte do artigo que o babaca não entendeu??????
Em segundo, o avaliador diz: Metodologia duvidosa (agrupar variáveis apenas por critérios estatísticos)."
Como é que é??? Metodologia duvidosa??? No artigo eu descrevi passo a passo a metodologia, considerando o número de observações e determinando amplitude total, o número e a amplitude das classes para a criação das faixas de complexidade. Isso é Controle Estatístico de Qualidade encontrado em qualquer livrinho de estatística. Onde raios está a metodologia duvidosa? Como um dos meus orientadores disse: "Se é duvidosa, então para que diabos serve a estatística cara pálida? "
O restante da avaliação creio que devemos concordar devido à má construção do texto, dada, repito, às condições normais de temperatura e pressão não estarem de acordo.
Por fim, um dos professores orientadores ressaltou o seguinte: que muitos acadêmicos estão acostumados a realizarem as suas avaliações apenas sobre teoremas e, com isso verem apenas o que desejam ver, somente num único sentido. A Engenharia de Produção é praticamente uma área multidisciplinar que engloba desde ciências humanas até a tecnologia. Avaliar trabalhos dessa área requerem uma flexibilidade de conhecimento, poder de integração de competências e principalmente mente aberta a novas idéias.
Infelizmente, segundo este mesmo professor, meu artigo caiu num idiota bitolado que, pelo visto, cuidou das vírgulas e da pontuação (que por sinal estavam boas pois sou bom redator) e pré-concebeu o resultado do trabalho antes de lê-lo na íntegra, criando uma expectativa falsa quanto a este. Acrescentou ainda, e foi aí que relaxei na cadeira pois percebi que não estou tão errado nas minhas concepções, que muitos destes estão longe da realidade, referindo-se ao fato de que o modelo apresentado por mim para o tratamento prévio de variáveis deu-se em um ambiente real, com base em observações in loco do processo, caracterizando uma autêntica pesquisa de campo.
Foi nesse momento então que percebi que, em alguns momentos, nem mesmo os brancos se entendem no próprio mundo criado por eles e que neste também existem pessoas que ainda olham através da janela, mesmo que seja só pra dar uma espiadinha em como é o mundo real.
Por fim, não posso dizer que fiquei chateado com a recusa em meu artigo. Entretanto, são fatos como este que me fazem aos poucos perceber minha falta de afinidade com mundo acadêmico, sem deixar de reconhecer sua importância e necessidade para a nossa sociedade.
Humilde opinião de quem vos escreve.