terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

27/01: o nosso 11/09


Quando que eu iria imaginar que, após uma janta com minha esposa, mãe e tia, passando pelos bares da cidade mostrando quais eram os "points" do momento, algumas horas depois, na madrugada, iria ser acordado pela mesma tia, com a notícia de que um incêndio na "tal da Kiss", a mesma que tinha mostrado na noite que passara de carro, estava vitimando cerca de 20 pessoas, e o número de mortos ainda era impreciso. Isso já era dia 27/01, as 4h da manhã quando fui acordado. Imediatamente liguei acordei minha esposa, ligamos o rádio e acessamos o Facebook e a partir daí começamos a acompanhar o horrendo desdobramento da situação. O sono já não seria o mesmo sem mesmo imaginar o pior que iria por vir: logo nas proximas horas não seriam 20 mas 40, e depois não mais 40 mas 80. A partir daí os números, como todos já sabem, não pararam de aumentar e começamos a viver uma realidade surreal para todos nós. Por mais que a realidade das sirenes de ambulancia cortando a Avenida Dores denunciassem o pior, estava tudo muito longe de nossa imaginação o que realmente teria ocorrido. Logo pela manhã já tivemos as fatídicas confirmações de duas centenas de mortos e a perda de um colega de trabalho no incêndio. Tudo já era surreal, Santa Maria não era mais uma cidade inocente, o aniversário de nossa comadre e o 1º aninho de uma filhinha de uma colega nossa foram sucumbidos pela tragédia deflagrada. Para piorar, além da perda de um colega querido, a confirmação da morte de tantos outros conhecidos e a internação do irmão de nossa comadre vitimado pelo incendio tambem nos atordoou. Confesso que seria bem mais facil assimilar a perda de um colega se não fosse a magnitude de tudo isso.
Ao ligarmos a TV era só o que passava, a situação começou a passar do surreal quando o Globo Esporte foi completamente cancelado em virtude do fato e demais canais de TV passaram a mudar suas programações em ambito nacional por causa daquilo. Twits de Axl Rose e de Lady Gaga se solidarizando nos deixavam mais atonitos: não dava pra acreditar, como ainda é difícil de entender e mesmo de aceitar o que ocorreu. A coisa já tinha passado do surreal a muito tempo.
A triste realidade de que nossa cidade passara a ser conhecida mundialmente não por ser importante do centro do RS, universitária com mais de 5 universidades e inúmeros polos de ensino, com o 2º maior contingente militar do país, por ter sido um centro ferroviário no passado, mas por uma desgraça que marcaria de vez sua bonita história.
O domingo sempre foi tranquilo em Santa Maria, mas desta vez passou a ser mórbido, lutuoso e horrivelmente chocante. Estavamos vivendo um pesadelo, o nosso 11 de Setembro: 27 de janeiro de 2013, o dia em que a vida de mais de 2 centenas de jovens foi brutalmente ceifada. Somente agora, um mes depois, tenho uma visão um pouco mais clara sobre o que ocorreu, e mesmo assim a sensação é de que não foi aqui, relutando de que tal desgraça nunca poderia bater a nossa porta como bateu naquele domingo. De repente, viamos um cenário de guerra: o campo da Brigada Miliar, logo ali a frente, se tornou palco de uma base militar de vôos incessantes de helicopteros militares, os novíssimos blackhawks da base aérea onde a decolagem de cada um significava uma vida em grande perigo sendo socorrida desesperadamente, tinha curiosidade em ver o novos helicopteros de perto mas não imaginaria naquelas circunstâncias. Tentei coxilar a tarde, mas o ronco daqueles motores parecia uma melodia fúnebre, bem como o som das sirenes da ambulancia que insistiam em não silenciar. Fui ao portão, e vimos um silencio perturbador nas ruas, contrastanto com o bombardeio incessante da mídia de notícias absurdas aos nossos ouvidos e não menos tristes, para não dizer desesperadoras. Tentei relaxar ao cair da noite me dirigindo ao Posto Bambino para tomar uma cerveja sem deixar de refletir como todos sobre o que estava acontecendo. Não deu certo: me deparei com uma fila de carros fúnebres de diversas localidades do estado abastecendo para tomar viagem com suas morbidas bagagens. Aquilo me chocou mais ainda.
Passados 30 dias de sofrimento, investigações, esclarecimentos, especulações, acusações, e principalmente, demonstrações incríveis de solidariedade humana, tomo coragem para compor este texto expressando o que penso disso tudo, desse absurdo inimaginavel que assolou nossos corações.
Devo dizer que tenho a certeza de que, se eu estivesse lá, provavelmente estaria morto, mesmo que escapando do incêndio em si, pois voltaria para ajudar e não saberia da letalidade daquela fumaça negra que mais tarde vitimaria tantos outros, pois assim trabalharia minha consciencia de cristão, escoteiro e humano. Sim, se escapasse daquele inferno, morreria ajudando, mesmo sem saber que teria uma morte santa, pois estaria fazendo o bem.
Certo do que nada que iremos dizer trará aquelas "crianças" de volta, as minhas profundas conclusões sobre esse episódio nefasto em nossa cidade são as seguintes...
Em primeiro lugar, tudo isso nos mostrou o que a inconsequencia de se fingir que se cumpre uma lei, bem como o mesmo fingimento de que se fiscaliza pode ser terrível. Não vamos longe para entender tudo isso: no clube que eu frequento sou obrigado a apresentar um atestado médico de aptidão física para frequentar a academia. Com um médico conhecido consegui o tal atestado, agora me pergunte se ele por acaso me examinou? Então quantos outros passam por procedimentos que seriam para a segurança de todos e que simplesmente são tratados como praxe burocrática? Quantos "galhos" são quebrados na prefeitura, nas autarquias e tantas outras repartições publicas: uma ajudinha para regularizar aqui, uma liberação temporária ali, e assim vamos construindo o sentimento de que definitivamente as leis não são cumpridas, ao menos não como deveriam e senão apenas no papel, nos fazendo criar um arrepio que percorre a espinha em vista ao enorme risco que passamos a perceber em que nossas vidas estão submetidas. É muito fácil assinar um laudo técnico achando ser "pouca coisa", pensando em estar ajudando ou mesmo ganhando um dinheiro fácil sobre um serviço que não exigiria sequer um pouco de esforço intelectual, pois tudo é uma "frescura" do governo, e serve também para quem fiscaliza. Nem mesmo o judiciário se escapa, pois quantas liminares vimos serem dadas sem um mínimo de critério técnico. E deu no que deu. Imagino sinceramente a  quantidade de engenheiros por este país afora com sono perdido por dias refletindo sobre esta tragédia e vinculando suas atividades profissionais com a tragédia, imaginando se alguma providencia técnica tomada por ele não fora negligente a ponto de causar tal catástrofe. Não consigo imaginar meu pai, Adi Forgiarini, se em vida hoje, fora do contexto da administração pública municipal, como engenheiro e político que foi, assim como o imaginaria atordoado por esse pesadelo que ocorreu e certamente obrigado a dar inúmeras explicações sobre o ocorrido. Não seria fácil para ele, especialmente pelo cristão, homem responsável e pai que era, assim como me lembro das pressões que ele sofria por muitos, especialmente por colegas políticos, para que "quebrasse galhos" de pessoas com relação a seus negócios pela cidade no que se referia a entraves "burocráticos" na prefeitura. Sim, eu não tenho dúvidas disso, as cerca de 240 vítimas fatais foram vítimas dessa tecnocracia.
Em segundo lugar, vejo agora a busca enérgica por culpados, e não me refiro aos proprietários da Kiss, mas das autoridades que teriam permitido aquele estabelecimento de funcionar. Prato cheio para a politicagem e espaço para a tomada de medidas importantes porém tardias sobre os tramites de liberação de alvarás de casas noturnas, não apenas em Santa Maria, mas em todo o Brasil. E aí vemos aquela velha máxima: "foi preciso ocorrer algo assim para que se levasse a sério muita coisa". Sim, os culpados devem ser apurados, as autoridades devem explicações, o prefeito deve ser questionado e apurada a sua responsabilidade sobre o ocorrido, bem como os bombeiros, cujo comandante da ápoca sequer "se lembra" de ter expedido alvará para a Kiss, o que significa que ele mesmo elevou Santa Maria ao patamar de metropole pois certamente esta autoridade deve considerar um número muito grande de casas noturnas na cidade tal qual num ametropole, a ponto de não se lembrar de ter expedido alvará para uma boate de tamanho relativamente grande como a Kiss. Sorte ou azar do atual prefeito? Os dois: azar porque foi na gestão dele, pois essa situação era uma bomba relógio em nossa cidade que poderia explodir em qualquer gestão (eu digo "qualquer"), pois nunca houve a devida seriedade no cumprimento da lei, mesmo Santa Maria sendo referencia no estado todo com seu Codigo de Prevenção contra Incendio (cujo relator, em 1991 foi o Vereador Adi Forgiarini). Isso é um fato, seja na gestão do Schirmer, seja no Valdeci, Oswaldo ou Farret. Mas também foi sorte dele, sarcasticamente falando (se é que há espaço para isso), pois é seu segundo mandato e ele não mais concorrerá a reeleição. Fodido estará seu candidato a prefeito na proxima eleição, e nesta veremos como serão os candidatos: se serão infâmes ao usar esta tragédia como apelo político ou éticos ao aborda-las em tom solene em suas campanhas em prol da melhoria da segurança. Reforço que esta situação era uma bomba relogio pois Santa Maria está cada vez mais pulsante com tantos e tantos jovens que aqui aportam em numero cada vez maior para estudarem e o consequente aumento da demanda de espaços de diversão noturna como a Kiss. E essa é uma tendencia que deve continuar, e precisa, pois é a vocação universitária da cidade que nos impele a isso. Então, a máquina ´pública deve estar preparada para isso. Acho que a partir de agora vai estar, independente do gestor, pena que deve de ocorrer uma tragédia para as coisas acontecerem como devem.
Agora vemos as piadas das CPIs. Alguns vão me criticar: "como assim, tu acha que não precisa de CPI?..." Eu acho que não! As CPIs ao meu ver (eu disse, ao meu ver...) são apenas julgamentos políticos que na história do nosso país, em qualquer dos ambitos, sempre serviu para a promoção ou execração política, e nunca chegou a resultados concretos, confiáveis e efetivos. Presenciamos a presepada de um deputado estadual daqui da cidade que foi chutado da CPI da Assembléia Legislativa que vai tratar do assunto pelo Presidente da Assembléia por simplesmente ter rabo preso com um dos proprietários, ao contrario do que ele mesmo afirma de ter se retirado, e todos conhecem o perfil fanfarrão do cidadão que me refiro. Para completar, vemos a palhaçada da CPI Municipal, onde vereadores da situação e oposição brigam a unha para o controle desta. Por que isso? Hummm... De confiável mesmo, apenas as investigações do Ministério Público e da Polícia Civil, porque de resto... Para completar a série de brajeiradas políticas, ainda temos o cala-te boca do governador sobre o Corpo de Bombeiros da cidade e a enrolação da Prefeitura Municipal em entregar documentos. É,... pegou todos no contra-pe: um simples relatorio de sistema que se torna alvará e uma lista de documentos que todos imaginavam nunca mais precisar consulta-los. Que coisa...
Por fim temos os protagonistas do episódio, sem considerar as 240 mortes: Maurinho Hoffmann e Kiko Spohr. Sabe, o Bairro Dores é um lugar interessante: além de ser o mais tradicional dos bairros da cidade com famílias tradicionais, tem o melhor clube (indiscutivelmente), o melhor shopping, a paróquia mais atuante, e por aí... assim como renomados "filhos". Recordo quando tinha 5 anos quando já conhecia o Mauro Hoffmann jogando volei nas quadras de areia do Clube, assim como me lembro dele junto a turma do  bairro, no bar do Ravanello, nos carnavais e tal. Quando ele se tornou "barão da noite" desligou-se do bairro, da turma e dos seus antigos amigos (palavras deles) e tornou-se esta criatura notívara e mitológica da cidade. Ele passou a se tornar sinônimo de festa, onde inúmeros boyzinhos ficavam puxando seu saco por uma entrada gratis no Absinto ou nas festas que ele promovia, ou mesmo para serem "promouters" e ficarem populares na cidade. Maurinho é um cara inteligente, um empreendedor, odiados por muitos é verdade por motivos muitas vezes obscuros, mas ágil e sagaz e não foi a toa que se auto-intitulou de "o Barão da Noite", pois em muitas casas noturnas, bares e restaurantes tem-se o dedo dele, o apenas seu dinheiro. Não tenho a coragem que o João Batista Veras teve ao afirmar coisas sobre ele (veja o vídeo abaixo), mas afirmo já ter ouvido todas estas de várias bocas, sem confirmação nenhuma, ressalto.


 Se bem que mais ferrado do que agora, com 240 mortes nas costas, ele não poderá estar.
Quanto ao Kiko, nunca vi mais gordo. Mas tava na cara qual era a desse cara. Assim como tantos que já brincaram de empresarios da noite nesta cidade, ele só queria curtir, queria ficar famoso na balada e popular, tanto que afirmou em entrevista que estava vivendo um sonho. Isso também foi característica da cidade. Quando eu frequentava a noite (Café Brasil, Chá Bar, Bar In Bar, Panacéia, Luna Luna, Winners, Eventual, Cinema...) todos queriam primeiro saber "de quem era o bar". Me lembro do tempo do Coyote onde era o máximo para o boyzinho ficar do outro lado do balcão para mostrar que era amiguinho do dono, que patético. Então o Kiko era isso, numa inocência totalmente inconsequente que sequer passou pela cabeça o genocídio que uma casa noturna como aquela poderia causar. Pior: aceitou sociedade com um cara que é uma aguia e não bota nada a perder, tanto que quando deu a merda a primeira coisa que disse foi "não tenho nada haver com isso, sou apenas partícipe financeiro".
Pois bem, aprendemos na dor, infelizmente, uma baita dor. Sem querer ser insensível, no entanto, tenho a certeza de que Santa Maria vai se reerguer e a sua noite voltará a ser viva, pulsante e alegre, pois é vocação da cidade acolher jovens e propiciar a eles momentos mágicos que só esta fase da vida pode propiciar. Ao mesmo tempo, sei que não devemos esquecer este trágico erro, encontrar os culpados, responsabiliza-los e fazer destes exemplos. Chega de inconsequencia, chega de irresponsabilidade, chega de falta de seriedade, chega de brincar com a vida das pessoas. Não tem como não se colocar no lugar dos pais. Imaginem muitos destes acharem que o simples fato do seu filho tomar um taxi para chegar a boate e outro para chegar em casa já estaria seguro. Sim, este pensamento seria o correto, se a boate não fosse uma câmara de gás letal como foi a Kiss.
Apenas agora temo a fanfarronice política que vem aí sobre esse episódio. E já deu indícios de que será muito grande e despudorada. Tomara que eu esteja errado.
Abaixo, o link do depoimento da jornalista Sandra Annenberg sobre sua cobertura desta tragédia.

http://globotv.globo.com/rede-globo/rede-globo/v/sandra-annenberg-fala-sobre-o-trabalho-na-cobertura-da-tragedia-em-santa-maria/2395429/