terça-feira, 28 de outubro de 2014

Passeio de bicicleta, histórias infantis, frustrações e ressentimentos

Minha infância sempre foi recheada de contos, historinhas, coisas que somente funcionam diante da inocência de uma criança. Seja na pré-escola das Irmãs de Schoenstatt, Girassol, ou na companhia de minha prima mais velha, sempre me via com alguém lendo alguma historinha. Desde Chapeuzinho Vermelho até o Gato de Botas, desde a Gata Borralheira até João Mata-Sete. Ouvia cada detalhe narrado e, como se isso não bastasse, tomava ao final os livros e mesmo ainda sem saber ler ficava saboreando as figuras. Ah sim, as figuras... não deixava nada passar, nem um detalhe das roupas, nem um detalhe dos castelos, das espadas,... ficava imaginando se aqueles mundos realmente existiam e, principalmente, como foram parar naquelas páginas.


Com o passar do tempo, aquelas imagens começaram a me intrigar cada vez mais. Por que aqueles lugares? Por que aquelas roupas? Afinal, de onde surgiram todas aquelas histórias? Até que um dia as histórias infantis deram espaço à história. Logo, não foi difícil perceber meu fascínio pela história, pelos acontecimentos, por entender porque vivemos hoje dessa forma ou fazemos algo de um jeito. Assim, ficou fácil deduzir que o mundo era sim muito maior do que o bairro em que vivia. 
Desde esse tempo me pegava sonhando acordado, em poder conhecer esses lugares mágicos que um dia fizeram parte do meu imaginário de um certo jeito. Sim, de um jeito, porque, na verdade, com o tempo passaram a fazer parte de meu imaginário de um novo jeito, totalmente diferente. Ao mesmo tempo em que tudo parecia estar muito distante (e de fato estava) o fascínio pelo lugares históricos e pelas histórias que lá se sucederam, passava a ficar cada vez mais forte. Aquilo de fato havia se consumado em um sonho, mesmo sabendo que, no fundo no fundo, um dia eu poderia e iria chegar lá, mesmo desconhecendo  a forma de como isso poderia ocorrer.
Pois o mundo dá voltas e a vida nos prega cada lição que não temos alternativa senão curvarmos a estas e admitir: estávamos errados e por conta disso aprendemos com essa lição. As coisas não caem do céu (talvez para alguns sim, de uma forma um tanto injusta), e quando caem, não é por acaso. 
Nesse momento posso dizer que tudo isso que estou vivendo pode ser descrito como um longo passeio de bicicleta, no qual é necessário de vez em quando parar e apreciar a paisagem, pois se isso não for feito, nós simplesmente passaremos por aquele caminho sem nada a aprender ou a contemplar. A cada parada, a necessidade de se olhar para trás e admirar tudo aquilo que já passamos e talvez fazer um pequeno esforço para relembrar o que havia antes da última curva, pois pode ter sido a única oportunidade em fazer aquele caminho.
A poucos dias me vi parado na estrada com minha bicicleta ao lado, contemplando onde estava sem acreditar direito o quanto eu havia pedalado. 
Sim, havia pedalado muito, com minhas próprias pernas, enquanto que outros estiveram até lá de carro ou simplesmente tiveram a iniciativa de comprar a bicicleta antes de mim e por isso aquele caminho puderam trilhar.


Pois eu consegui. E nas andanças de bicicleta pude imaginar na cabeceira daquela ponte os gigantes que João Mata-Sete enfrentou, assim como, no meio daquela floresta, João e Maria fugindo da casa de biscoitos da bruxa. 
Sinceramente, é tudo meio surreal (mais que esse texto?!), pois pensava que boa parte de nosso imaginário ficaria sepultado em nossa infância convertendo-se em apenas uma boa, divertida e saudável lembrança. E, de repente, aquele imaginário ressurge, mas como uma realidade palpável e sólida. Do nada, ele simplesmente apareceu.
Como disse, não tinha mais o desejo de viver tudo aquilo. Não era mais necessário, a infância passou e a juventude também. 
Ah sim, a juventude: momento em que muitos planos foram construídos e os sonhos idealizados, esses mesmo que tomaram o lugar daquelas histórias mágicas, talvez por serem estas as grandes responsáveis pelos novos devaneios. Sem dúvidas uma juventude cheia de empolgações, desejos e sonhos num mundo cada vez mais globalizado, onde as informações vem e vão em questão de segundos, fazendo com que a gente se sinta preso e com a vontade  que se torna anseio de ser parte de algo maior, mais além dos limites e do horizonte que conhecemos. Bons anos aqueles 90! Muito planos imaginados, todos viáveis, aos olhos de um inocente num ambiente nocivo. 
Na esperança de algum daqueles sonhos infanto-juvenis se realizarem, a tentativa em se embretar sozinho num mato espinhento, apenas com a vaga ilusão deixada por alguns que ali estavam por seus próprios motivos. Meus sonhos nunca seriam prioridade para ninguém, deveria eu ter percebido disso, senão unica e exclusivamente par mim mesmo.
Os sonhos começam a dar lugar a frustrações, quando nada do que se almejava acontecia. O sentimento em ter se transformado num verdadeiro idiota, paspalho e trouxa usado por muitos, tomou conta de minha consciência e a realidade volta a bater a porta. Pobre rapaz inocente, que transita entre a inocência dos contos dos Irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen às inocentes euforias de supostas aventuras reais de seu tempo, dispostas para vislumbre e contemplação como brinquedos caros numa vitrine: só para poucos,e desde que o papai queira dar.
Tudo parecia, portanto, acabado. A infância e a juventude estavam enterradas, e com elas tudo o que se sonhara. Então fiz minha opção. preferi seguir adiante e tornar-me um profissional e marido, portanto um homem adulto, devotado em um novo projeto para o resto de minha vida. Um tampão eu havia colocado naqueles sonhos. A frustração e o ressentimento haviam tomado conta de parte de minhas lembranças. 
Por todo esse tempo me perguntava onde havia errado. As respostas eram obvias: em muitos momentos! Muitos... parecia que meus erros eram muito maiores e mais fortes que meu acertos, maiores que aqueles cometidos pelas pessoas para comigo. Não me restava muito senão abaixar a cabeça e seguir adiante. O que passou passou e não voltaria mais. As chances, se é que houve alguma realmente, para aquilo que eu um dia sonhei se realizar, passaram e não mais voltariam. Assim passei a pensar...
Não sabia eu que aquelas duras lições da vida, dos meus erros e das observações sobre aqueles que se aproveitaram (sim, os oportunistas) de minha inocência e entusiasmo juvenil poderiam, não apenas me deixar mais forte, mas de uma natureza impressionante, regalar-me com coisas que imaginava já estarem mortas para mim.
Sim, baixar a cabeça e trabalhar sem olhar para os lados ou mesmo para o relógio teve o seu valor. Valorizar o pouco, porém sem contentar-se com aquilo, também teve o seu valor. Foi somente descendo da bicicleta, depois da última curva, que pude perceber o quanto havia andado. E percebi que já havia passado por caminhos que já havia desistido de conhecer. Pois por lá eu andei.
Agora me vejo diante de uma situação que nunca imaginaria estar. A estranha e agradável sensação de boa parte daquelas antigas frustrações e ressentimentos estarem sumindo pelo ralo, além do sentimento de que tudo isso era para mim e estava guardado, esperando apenas o momento certo para que se realizasse, talvez aguardando que a maturidade batesse em minha porta para então fazer valer a pena. E assim está acontecendo, desde a partida de meu pai.
Estaria ele lendo as histórias para mim? Quem sabe... Eu me lembro que muitas vezes ele fez isso, não é de admirar que ainda esteja fazendo, pois sei que el já tem mais alguém para ajudar nessa tarefa.
Quando resolvi escrever esse post, imaginei em um primeiro momento escrever um desabafo, talvez até xingando alguém e mandando outros longe por terem me dado as costas, vibrando pelas minhas conquistas cujo mérito é exclusivamente meu. E de fato, é meu! Mas não consigo. Está na hora de colocar uma pá de cal nas frustrações e ressentimentos, mesmo que eles não estejam totalmente superados. Sua grande maioria sim. 
Ainda tenho frustrações, mas devo dizer que já sei, ou ao menos tenho uma ideia, de como tratá-las. Afinal, as lições que me foram impostas foram aprendidas, muitas delas da pior forma possível, mas o suficiente para aprender, mesmo que tenham me levado a lona. E de fato levaram. Não sei quanto ao amanhã: pode ser que eu caia da bicicleta e muito do caminho eu deva trilha-lo novamente, ou que a bicicleta simplesmente quebre. O fato é que, não preciso mais engolir sapo nem dar um sorrisinho amarelo para agradar alguém ou para tentar algo, mesmo que ainda goste da história de João Mata-Sete. Nunca foi minha índole, e nunca será.
Eu sei, o texto pode ser confuso por demais. E essa é a intenção, tal qual está minha cabeça nesse momento. E se alguém se identificou em minhas palavras e no contexto de minha história, convido a uma profunda reflexão do motivo de ali estar. 
Abraço a todos