sábado, 6 de julho de 2013

O surrealismo do mundo acadêmico


Não é de hoje que ando as favas com o mundo acadêmico. Já escrevi vários posts nesse blog baixando o pau no corporativismo desse meio e chorando as pitangas por sempre encontrar portas fechadas nesse corredor cujo acesso é regido por um verdadeiro ritual de puxasaquismo onde a contestação de idéias acaba por ser um pedregoso caminho misturado com ovos que não podem ser quebrados. Isto é, metáforas a parte, ou tu segue e faz o que os cardeais das universidades mandam ou tu tá fora do clubinho deles.
Por muito tempo defendi este tipo de ideia até o fim sendo estas um tanto heterodoxas, é verdade, pois não compreendia de fato o mecanismo e os devidos objetivos do meio acadêmico: não conseguia entender para que servia um trabalho científico, uma pesquisa, ou seja lá o que for se não houvesse um emprego prático.
Mas nada como um pouco de esclarecimento para uma mente limitada no assunto, no caso a minha. Aos poucos fui entendendo, por exemplo, por que cargas d'água professores com alta titulação limitavam-se a ministrar uma ou duas cadeiras no máximo na graduação: pelo fato de serem pesquisadores e estarem mais embuídos em projetos de pesquisa do que propriamente estarem nas salas de aula, e as universidades servem para isso mesmo, caso o contrário seriam apenas colegiões de ensino superior. Ta bom, lição aprendida.
Observando esse mundo ainda obscuro, porém sobre esta nova perspectiva, comecei a perceber outras coisas que suscitavam novos questionamentos a este, como as produções científicas, o ritmo de suas concepções e as metas de produção que as instituições impunham aos seus pesquisadores. Afinal de contas, o que vem a ser estes produtos? Bem, basicamente projetos e artigos científicos. Papers, just papers... artigos e mais artigos a serem constantemente submetidos para publicação em periódicos científicos e projetos devidamente concebidos como verdadeiras iscas com o objetivo de fisgar alguma graninha em algum programa de bolsas científicas liberado ou pelos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, ou mesmo através das inúmeras picaretagens, ops... fundações de amparo a pesquisa e tecnologia espraiadas por este Brasilzão. Papers, just papers,... more and more papers...



Sem dúvida alguma que a coisa não é fácil e não é pra qualquer um. De fato, tem-se nos processos de produção científica resultados excelentes, trabalhos excelentes. Mas também tem muita porcaria, muito lixo, muito absurdo que simplesmente ao lê-los me fazem eu me sentir um completo idiota pelo fato de não conseguir entender como um monte de bosta daquelas pode ser aprovado em alguma publicação ou algum evento para ser apresentado. Minha indignação com essa realidade parecia ser apenas solitária pois estava começando a achar que realmente eu ainda não estava conseguindo compreender a essência do mundo acadêmico e portanto, não poderia fazer parte dele. O motivo dessa dificuldade é claro para mim: além de ser um vadio durante o período de faculdade nunca consegui ser puxa-saco de professor, questionando suas posições e conclusões (um erro primário e crasso para quem quer ser acadêmico). Em seguida, porque após minha formatura, imediatamente ingressei no mercado de trabalho, na iniciativa privada, mexendo com coisas reais e aplicáveis, fazendo a coisa funcionar e vendo funcionar. Se alguém estivesse a fim de se manter na academia, então deveria já ter esboçado essa afinidade com pesquisa desde o início, antes mesmo de se formar, tendo boas notas, sentando no colinho dos professores, participando de grupos de pesquisa, submetendo-se a tudo o que os professores dizem e mandam escrever, enfim... sendo inteligente e não burro como eu.


No mundo acadêmico, percebi isso, a tua opinião não importa muito, mas a de quem te orienta nos trabalhos, direcionada, claro, a apenas serem aceitas pelos avaliadores deste mundo surreal. E ai de não estar o nome deles estampado no título do artigo ou projeto como autores (você será apenas o co-autor, janjão). Não estou alfinetando o outro lado da moeda, mas sabemos que o mundo acadêmico é calcado em pensamentos, hipóteses, teoremas e corolários e, convenhamos, se vai funcionar ou não, não é uma preocupação prioritária para eles, pois o que importa são os papers. Estou generalizando, claro, e teremos um exemplo disso logo a seguir.
Já ciente de como a coisa funciona, comecei a refletir a respeito: nadar contra a maré, mijar contra o vento e dar murro em ponta de faca não são, definitivamente, estratégias aceitáveis no mundo acadêmico: os inteligentes (que não é o meu caso) apenas ouvem e obedecem, escrevem o que é dito e reescrevem o que já está escrito, e ponto final. Sem dúvida alguma que tudo isso era um exercício mental novo para mim, um profissional que já está acostumado a ser criativo, proativo e implementador (desculpe a falta de modéstia). Nesse contexto, também comecei a refletir da real importância, ou mesmo necessidade, de ser realizar o tal mestrado: ora, se não estava concordando em como a coisa funciona nesse meio e minha inserção nesse parecia ser muito complicada, para que então fazer esse troço? Foi fácil de responder a mim mesmo: em primeiro lugar há mais de 10 anos eu botei na cabeça de fazer um mestrado e quem sabe um doutorado. Parecia um sonho distante (vide post), mas com o andar da carruagem as aboboras se acomodaram. Em segundo porque o título de Mestre é relevante inclusive fora do mundo acadêmico, as empresas acordaram para isso e estão valorizando cada vez mais profissionais com essa titulação. Na empresa onde trabalho, muitos profissionais com mestrado e doutorado atuam como consultores e possuem seus trabalhos bem estimados. Em terceiro porque eu comecei e já investi uma grana alta nesse negócio e burrice minha seria não concluir, pois estou mais para o fim do que para o início. Em quarto, porque o mestradinho aumenta as chances em um possível concurso público, embora definitivamente este esteja sendo cada vez um foco menor. Em quinto porque gostaria de ter mais de um emprego, então como já tenho experiência em sala de aula e gosto de lecionar, nada mal em dar aula em alguma universidade particular. Mas eu disse "dar aula" e não fazer pesquisa, pois ser pesquisador não é pra qualquer um. Para se ter êxito nesse tipo de empreitada, é preciso saber bem por onde anda e aceitar as conclusões surrealistas das pesquisas, mesmo que ninguém as entenda patavinas ou que algumas destas não sirvam para porra nenhuma, desde que gerem papers, just papers.
O brabo não é não compreender como a coisa funciona, mas sim ver que as vezes até mesmo quem já está a anos no metiê se fode com a tecnocracia babaca do meio acadêmico. Tenho como orientadores dois baita professores (não estou puxando saco, é que os caras são legais mesmo): um professor Engenheiro Químico que concluiu seu doutorado em Caracas cuja linha de pesquisa é análise multivariada (linha do meu projeto) e outro Doutor Engenheiro Eletricista ex-professor da Escola Naval do Peru tarado por modelos matemáticos. Estes me orientaram a escrever um artigo científico para que fosse submetido ao ENEGEP - Encontro Nacional de Engenharia de Produção, para posterior apresentação deste em seminário. E o tal artigo foi recusado pelo avaliador cujo artigo caiu em seu colo. A avaliação do cara foi capaz de revoltar até mesmo meus orientadores.
Escrevi um artigo sob orientação com o seguinte título: DEFINIÇÃO DE NÍVEIS DE COMPLEXIDADE DE PRODUÇÃO EM UMA INDUSTRIA DO SETOR FRIGORÍFICO BOVINO. Refere-se ao tratamento que apliquei aos dados de cadastro de produto da empresa onde trabalho para reduzir o número de variáveis através de técnicas estatísticas para posterior aplicação de uma PCA - Principal Component Analisys  - a fim de se criar um novo índice de eficiência produtiva.

Veja bem, conforme o resumo do artigo (acima), a intenção do trabalho era apenas apresentar a técnica utilizada para aglutinar e reduzir o número de variáveis em faixas de níveis de complexidade de produção. Eram mais de 1.700 produtos, cada qual com sua devida complexidade de produção, e com a aplicação dos conceitos de CEQ (Controle Estatístico de qualidade) reduzimos estes a apenas 9 faixas de complexidade. Não era, nem nunca foi, intenção nesse artigo aplicar a PCA para a geração do índice de eficiência produtiva, pois este será sim o resultado final de meu relatório de projeto de dissertação. Acho que isso ficou bem claro logo no resumo e introdução do artigo. No entanto, a avaliação do artigo foi o ó do borogodó. Faço nesse momento questão de mostra-la, sem nenhum tipo de constrangimento.




Tá certo. O artigo foi completamente detonado não por apenas um motivo em especial mas por todo o contexto. Em síntese, minha tentativa de produzir a porra de um paper deu num verdadeiro lixo acadêmico. Mas aos olhos de apenas um avaliador e não dos meus orientadores.
Muito da baixa avaliação se deveu ao fato de ter escrito o artigo na ultima hora. Sim, isso é um fato! Submeti este no último dia de prazo não dando tempo para que os professores ponderassem sobre o texto em si na intenção de melhora-lo. Eu fiquei sabendo no ultimo instante do prazo para o tal ENEGEP e por isso tive apenas 2 dias para escrever um artigo científico, que diga-se de passagem é um troço extremamente murrinha de se fazer, pois se você mencionar que foi ao banheiro em algum instante tem que ter alguma fonte teórica sendo referenciada.
Os meus orientadores fizeram a mea culpa com relação ao fracasso da submissão do artigo. Eu na verdade até tinha uma pontinha de esperança que fosse aprovado, mas não estava muito esquentando a cabeça, pois por estava mais focado nos projetos de expansão industrial na empresa onde trabalho, ou seja, no mundo real. Portanto, estava cagando e andando para isso e não dei muita bola. O que me chamou a atenção, e que por fim me motivou a escrever esse post foi a expressão de surpresa dos professores pelo parecer dado ao artigo, aos olhos deles, sem pé nem cabeça. Vale a pena, nesse momento, avalia-lo de modo mais criterioso.
Primeiramente, o avaliador diz: "Principal objetivo que seria a aplicação da PCA não foi feito."
Não precisa nem mesmo ler todo o artigo, basta ler apenas o resumo trazido a este post para concluir que o objetivo do artigo NÃO ERA A APLICAÇÃO DA PCA, mas apenas uma etapa no tratamento de variáveis para possibilitar a aplicação da PCA. Qual foi a parte do artigo que o babaca não entendeu??????
Em segundo, o avaliador diz: Metodologia duvidosa (agrupar variáveis apenas por critérios estatísticos)."
Como é que é??? Metodologia duvidosa??? No artigo eu descrevi passo a passo a metodologia, considerando o número de observações e determinando amplitude total, o número e a amplitude das classes para a criação das faixas de complexidade. Isso é Controle Estatístico de Qualidade encontrado em qualquer livrinho de estatística. Onde raios está a metodologia duvidosa? Como um dos meus orientadores disse: "Se é duvidosa, então para que diabos serve a estatística cara pálida? "
O restante da avaliação creio que devemos concordar devido à má construção do texto, dada, repito, às condições normais de temperatura e pressão não estarem de acordo.
Por fim, um dos professores orientadores ressaltou o seguinte: que muitos acadêmicos estão acostumados a realizarem as suas avaliações apenas sobre teoremas e, com isso verem apenas o que desejam ver, somente num único sentido. A Engenharia de Produção é praticamente uma área multidisciplinar que engloba desde ciências humanas até a tecnologia. Avaliar trabalhos dessa área requerem uma flexibilidade de conhecimento, poder de integração de competências e principalmente mente aberta a novas idéias.
Infelizmente, segundo este mesmo professor, meu artigo caiu num idiota bitolado que, pelo visto, cuidou das vírgulas e da pontuação (que por sinal estavam boas pois sou bom redator) e pré-concebeu o resultado do trabalho antes de lê-lo na íntegra, criando uma expectativa falsa quanto a este. Acrescentou ainda, e foi aí que relaxei na cadeira pois percebi que não estou tão errado nas minhas concepções, que muitos destes estão longe da realidade, referindo-se ao fato de que o modelo apresentado por mim para o tratamento prévio de variáveis deu-se em um ambiente real, com base em observações in loco do processo, caracterizando uma autêntica pesquisa de campo.
Foi nesse momento então que percebi que, em alguns momentos, nem mesmo os brancos se entendem no próprio mundo criado por eles e que neste também existem pessoas que ainda olham através da janela, mesmo que seja só pra dar uma espiadinha em como é o mundo real.
Por fim, não posso dizer que fiquei chateado com a recusa em meu artigo. Entretanto, são fatos como este que me fazem aos poucos perceber minha falta de afinidade com mundo acadêmico, sem deixar de reconhecer sua importância e necessidade para a nossa sociedade.
Humilde opinião de quem vos escreve.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

O Mistério de Rennes-Le-Chatêau

Depois de quase dois meses de ausência, cá estou novamente.
Após um crash em meu notebook, a maior parte da minha antiga pesquisa sobre o Santo Graal (ou melhor, toda ela) foi pro saco. Fazia tempo que gostaria de retornar a escrever sobre o tema ou assuntos que orbitassem essa demanda, mas, para isso, seria necessária uma pequena pesquisa sobre o assunto.
Então vamos lá: o tema em questão deste post há muito tempo gostaria de abordá-lo, mas sequer em minhas anteriores pesquisas eu o havia feito tamanha foi a riqueza de detalhes que o compõem. É claro que, com o passar do tempo, passamos a ser mais criteriosos no que lemos e escrevemos, discernir um pouco mais o que é sério do que é fanfarra.
Bem, o mistério sobre a aldeia francesa de Rennes-Le-Chatêau é um misto dessas duas coisas. Mas para não comprometer o grau de curiosidade sobre o assunto, vamos imediatamente nos remeter ao que elevou este lugarejo misterioso a local de peregrinação de vários entusiastas das conspirações históricas.


Rennes-Le-Chatêau situa-se ao sul da França, na região de Provence, mais especificamente no Languedoc logo acima dos Pirineus, antigamente conhecida como Oquitânia (Occtane). Esta região por si só já é berço de muita história interessante e de especulações em torno dela.
O mito de Rennes-Le-Chatêau está em torno da figura do padre Bérenger Saunière que fora transferido para a paróquia local em 1877 com então 33 anos. Conta-se que o então pároco dá início a pequenas obras de restauração na igreja da aldeia dedicada à Santa Maria Madalena e que durante estes trabalhos encontra um possível tesouro que abala totalmente sua vida refletindo em suas próximas ações ao longo de seu trabalho na paróquia.


De forma sintética, tudo começa quando o padre resolve remover o altar-mor da nave da igreja e encontra em uma das colunas de sustentação, uma cavidade contendo jóias e manuscritos. Ao descobrir tais objetos imediatamente suspende as obras dispensando os pedreiros envolvidos e começa a trabalhar solitariamente a fio por dias e noites.
Após esta descoberta, Saunière começa a gastar quantias incompatíveis com a sua condição de padre nas obras de reformas da igreja, do cemitério em anexo bem como na construção de novos prédios adjacentes a estrutura. Não somente a origem do dinheiro empregado passa a ser já um mistério como também a forma como o empregou, começando por detalhes peculiares na ornamentação da igreja, sugerindo a adição de mensagens subliminares ao longo de toda a estrutura, assim como em pequenas viagens de destino desconhecido e hábitos extravagantes, como a coleção de tecidos e selos.

      

Para poder contextualizar um pouco, convém remontarmos um pouco da história daquele local e vinculação com fatos históricos remotos.
Em 66 d.C. a Palestina revoltou-se contra o domínio romano. Foi o Imperador Tito que em 70 d.C. deu um fim a situação quebrando o pau e arrasando Jerusalém expulsando de vez os judeus da Palestina (a famosa Diáspora). O Templo de Salomão foi saqueado e o seu conteúdo foi levado em grande pompa para Roma. Para a chegada do espólio do saque à Cidade Eterna, um enorme cortejo foi organizado de modo a receber um tão ilustre tesouro. Pois bem...
No ano 410 Roma cai e a Cidade Eterna foi saqueada pelos bárbaros visigodos chefiados por Alarico, o Grande. Todas as riquezas da cidade foram capturadas e o tesouro do Templo nunca mais foi visto. Durante a Alta Idade Média, conhecida como a Era das Trevas devido a queda de Roma e a falta de organização política e militar da Europa, a região do Languedoc foi de domínio de vários povos até a sua tomada pelos Francos sob o domínio de Clóvis: Iberos, Estrogodos, Celtas e...Visigodos. Sim, a região do Languedoc teve presença visigótica de 440 a 720.
A partir daí muitas peças começam a se encaixar, pra quem tem uma boa imaginação e gosta de histórias de mistérios...
Pra início de conversa, é no sul da França que surgiram muitas das lendas referentes ao Santo Graal e suas derivações. A mais famosa delas na atualidade, a de que o Santo Graal é na verdade um conhecimento e não um objeto cálice, como sendo a menção ao "Sangue Real" (uma linhagem de reis merovíngios descendentes diretamente de Jesus Cristo com Maria Madalena) obtém contextualização através de várias lendas locais. Uma delas fala sobre o suposto desembarque de José de Arimatéia que levava Maria Madalena e sua filha Sara (filha de Jesus) fugidos da Palestina, onde Sara passaria a ser venerada por uma imagem conhecida como a "Santa Negra" devido a sua pele mais escura. Segundo a lenda, Sara teria originado a linhagem dos reis merovíngios. Outras tantas, como a lenda do Rei Pescador, somam-se ao passado mitológico da região. Soma-se a tudo isso o fato de que esta região foi também refúgio dos cátaros (dediquei um post só sobre esse assunto a um tempo atrás), ceita medieval que também carregou consigo uma boa dose de mito a cerca de serem possíveis guardiões do Santo Graal.
Enfim, voltando a Rennes-Le-Chatêau...
Como já falamos, tudo começa quando Saunière resolve trabalhar em reformas na igreja.
Na igreja, começou por efetuar apenas as alterações essenciais. Durante estes primeiros trabalhos, decorridos por volta de 1886-87, Saunière tentou remover o altar-mor da igreja, peça composta por uma pedra que descansava sobre dois pilares. Segundo se diz, um estava em bruto e o outro esculpido. Em um destes pilares afirma-se ter descobertos dois tubos de madeira contendo pergaminhos.
Ainda durante as obras de restauro da igreja de Sta. Maria Madalena, Saunière levantou um bloco de pedra que estava colocado com a face para baixo em frente ao altar, recorrendo à ajuda de dois trabalhadores. Estes teriam notado imediatamente que se tratava de uma sepultura. Segundo a tradição oral da aldeia, Saunière mandou-os imediatamente embora, exigindo não ser perturbado e proibindo a entrada de quem quer que fosse na igreja. Nesse dia teria trabalhado até tarde, e mesmo noite a dentro, no interior da igreja. Teria comunicado pouco tempo depois a descoberta aos seus superiores imediatos. Não se sabe ao certo o que estaria debaixo do bloco, que teria sido esculpido no século VII ou VIII, mas provavelmente cobria uma câmara funerária. É perfeitamente possível que ocultasse uma câmara com restos mortais e até pequenos tesouros de antigos senhores da região. De fato, Saunière ofereceu a alguns amigos moedas de ouro, um cálice e até jóias visigóticas. Esta pedra ficou conhecida por "la Dalle des Chevaliers" (a Laje dos Cavaleiros).
A partir desse momento, Saunière começa literalmente a viajar na batatinha (ou nem tanto, veja no fim do post porque). Uma série de providências esquisitas a cerca da ornamentação da igreja foi tomada pelo padre aguçando a curiosidade, consumando assim o mistério de Rennes-Le-Chatêau.
Em 1891, quatro anos depois da remoção do altar-mor da igreja, Saunière decidiu aproveitar o pilar esculpido do altar-mor e colocou-o no exterior, debaixo de uma estátua da Virgem de Lourdes. Ao fazê-lo, mandou gravar uma inscrição que ainda hoje é suficientemente legível: "Mission 1891". Há quem veja esta inscrição como um marco deixado por Saunière para a posteridade, assinalando o ano de 1891 como o ano do início da sua "missão". Que missão seria esta? Não se sabe, mas estará certamente relacionada com as várias restaurações e construções que Saunière empreendeu em Rennes-le-Château.
E assim o padre seguira com uma série de ações bizarras, tais como:
a) Ter gravado na entrada da igreja a frase em latim terribile est locus iste (este lugar é terrível);


b) Postado na entrada da igreja a estátua de um demônio ao qual alguns creem ser a imagem do demônio Asmodeo, guardião dos tesouros;


c) A colocação de uma via-sacra no interior da igreja, da esquerda para a direita, apresentando uma série de inconsistências, algumas óbvias, outras sutis sendo as duas principais: na oitava estação, há uma criança vestida com uma capa escocesa e na décima quarta, onde está retratado o episódio de Jesus a ser levado para o túmulo, o céu está pintado num tom escuro, noturno, como se sugerisse que Jesus tinha sido enterrado à noite. 

     

d) A profanação de túmulos do cemitério ao lado da Igreja, como a do sepulcro de Marie de Négri-d'Ables, mulher do marquês de Hautpoul de Blanchefort, que teria sido desenhado e construído um século antes pelo padre Antoine Bigou, o mesmo que se diz ter sido o autor de dois dos pergaminhos atrás mencionados. Na pedra sepulcral, Bigou mandou gravar uma inscrição aparentemente normal, apesar de conter erros de soletração e de espaçamento, mas que curiosamente constituiria um anagrama perfeito para a decodificação do segundo texto descoberto por Saunière.


e) A aquisição de uma cópia de uma pintura de Nicolas Poussin, Les Bergers d'Arcadie ("Os pastores da Arcádia"). Até há bem pouco tempo, perto de Rennes-le-Château, em Arques, existia uma sepultura igual à pintada por Poussin.


f) A construção de uma mística torre, a Torre Magdala, nos arredores da aldeia.


g) E por aí vai...

Só que tem muita coisa mal contada nessa história...
Esta trama histórica cruza-se, por "acaso do destino", com a de dois amigos parisienses, entusiastas do esoterismo e da mitologia, que tinham ouvido falar dos caçadores do tesouro de Rennes-le-Château e das aventuras e desventuras do "padre dos milhões". Tratava-se de Pierre Plantard, mitômano erudito de aspirações aristocráticas, e Phillipe de Chérisey, marquês de título, ator e surrealista, escritor e fiel braço direito de Plantard. Juntos, percorrem o sul de França e a região de Rennes-le-Château, recolhendo depoimentos da boca dos habitantes locais. Conseguem construir sobre as lendas do padre Saunière, uma boa atochada, um conjunto de mitos modernos e antigos baseado em meias verdades e meias mentiras onde nomes de locais reais e de pessoas reais são misturados com acontecimentos fantasiosos e com documentação forjada. Plantard apresentava-se como "Pierre Plantard de Saint-Clair", o herdeiro legítimo do trono de França, descendente do rei merovíngio Dagoberto II, uma realização inventiva de Chérisey, o artista. Foi Chérisey que criou falsos pergaminhos em código que, supostamente descobertos por Saunière durante as suas obras de restauração da igreja de Santa Maria Madalena provariam a veracidade deste "grande segredo oculto durante séculos". Os picaretas resolvem dar mais credibilidade à sua montagem depositando documentos falsos na Biblioteca Nacional em Paris ao longo dos anos sessenta onde está afirmado que existe uma organização secreta de mais de mil anos chamada de "O Priorado de Sião". Plantard e Chérisey apresentavam-se como a face do Priorado, onde este é responsável por proteger uma linhagem real secreta, da qual Plantard seria o atual descendente. A mitologia de Rennes, graças aos caçadores de tesouros e ao "Priorado de Sião" cresce em popularidade, atingindo toda a França.

Pierre Plantard (1920-2000)
Pierre Plantard
O assunto se globaliza com a entrada em cena dos britânicos Lincoln, Baigent e Leigh. Este trio tinha ouvido falar da história do padre de Rennes, e achou que era matéria de best-seller. Não podiam estar mais certos. Na internacionalização do mistério, foi decisivo o papel destes que escreveram em conjunto a obra Holy Blood, Holy Grail (editado no Brasil como O Santo Graal e a Linhagem Sagrada).
A história deturpada de Rennes iria encontrar uma fama bem maior do que aquela para a qual tinha sido destinada. O trio britânico iria fazer escola, levando ao aparecimento de uma claque de seguidores, que surgiriam mais tarde com as suas obras, e cujo babaca que vos escreve nesse momento comprou uma pá de livros nos seu calor de euforia sobre o assunto. Autores como Lionel e Patricia Fanthorpe, Michael Bradley, Richard Andrews e Paul Schellenberger, Robin Mackness e Guy Patton, David Icke, Ean Begg, David Wood, Ian Campbell, Patrick Byrne, Lynn Picknett e Clive Prince, Christopher Knight e Robert Lomas, Marilyn Hopkins, Graham Simmans, Timothy Wallace-Murphy, Andrew Sinclair, Laurence Gardner, Barbara Thiering e Margaret Starbird fazem todos parte da criativa "geração Rennes". Nasceram e cresceram com a leitura das obras de Gérard de Sède, Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln. Todos se tornaram adeptos da mitologia de Rennes, e as suas obras revelam uma adesão total e inabalável às teses do Priorado de Sião. Frequentemente, fazem referências cruzadas às obras uns dos outros, elogiando-se e prefaciando-se mutuamente, de forma a transmitir ao leitor a ideia falsa de que há consenso e plausibilidade científica nas suas teorias. Portanto, se verem algum livro destes caras em alguma livraria, afaste-se imediatamente.
Então, pra fechar a conta, temos o espertíssimo caça-níqueis do Dan Brown, "O codigo Da Vinci" que mais uma vez dá uma ressuscitadazinha  na mitologia de Rennes-Le-Chatêau e consagra a questão da linhagem sagrada como o maior manancial para romances e obras literárias distorcidas dos anos 2000.
Ta bom, ta bom, mas... e os outros detalhes pitorescos elencados acima sobre as excentricidades do padre acerca da reforma da Igreja em Rennes? Evidentemente que, para cada uma destas e tantas outras peculiaridades na história de Saunière em Rennes deve-se ter uma atenção toda especial, pois é devido ao conjunto de todas estas que fazem da mitologia desta aldeia única. Os argumentos que recém apresentei acerca da vigarice de Plantard e seu comparsa desmontam sim boa parte da mitologia moderna de Rennés-Le-Chatêau (moderna porque surgiram em meados dos anos 70 e 80 graças a safadeza dos supracitados). No entanto, não destrói com a mística do local nem com a totalidade de seus mistérios, longe disto. Embora muitas das ações misteriosas do padre possam ter explicações simples e não muito retumbantes, outras ainda permanecem passíveis de especulação histórica e fantasiosa. Além do mais, convenhamos: o padre Saunière é, sem dúvida alguma, um personagem pitoresco e intrigante, pois foi capaz de captar para si inúmeros mistérios onde cada um deles pode até ter explicações, mas de diferentes naturezas e sempre com um pouco de esforço imaginativo. Obviamente que não poderei me dedicar a elucidar todos esses pontos porque senão teria que dedicar um blog inteiro sobre o assunto.
Na verdade, o que temos aqui, portanto, é a detonação de um mito? Talvez sim talvez não. Mas mesmo assim o fascínio por histórias como esta estão longe de acabar... e da própria Rennés.
Para quem quer ler mais sobre o assunto, uns link legais:

Abração a todos.

domingo, 31 de março de 2013

Visões de Sherlock Holmes

Não é de agora que afirmo ser fã dos romances policiais de clássicos autores universais, como Agatha Cristhie com seus personagens Miss Marple e o baixinho belga Sr. Poirot, Georges Simenon e seu Inspetor Maigret e até mesmo Edgar Allan Poe com seu personagem Auguste Dupin. Mas é imbatível minha fascinação pelo personagem do escritor inglês Sir Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes. A foto abaixo é o registro de meu pequeno acervo sobre o detetive inglês da Era Victoriana: itens que coleciono de maneira despretenciosa, entre visitas a uma livraria ou até mesmo nas Lojas Americanas, lá no cesto das promoções de DVDs.


O incrível é que este personagem teima em se reinventar nas mãos dos mais diversos escritores e roteiristas hollywoodianos. Recentemente (isto é, em 2010) tivemos as produções de dois longas estrelando Robert Downey Jr. na pele do detetive e Judy Law como seu fiel amigo Watson, onde tivemos um Sherlock americanizado e um tanto "cowboy" metido a besta. Escrevi este post a respeito, eis o link.
No entanto, esta não é a única iniciativa de se tentar manter viva a magia dos contos de Conan Doyle atribuindo ao seu personagem novas aventuras. Em 1985 Steven Spielberg produz o longa O Enigma da Pirâmide (The Young Sherlock) tentando com esta obra cinematográfica explicar o surgimento de alguns elementos do universo Sherloqueano, como quando conheceu Watson, a origem de seu boné, de seu bordão "elementar meu caro Watson" e até mesmo o aparecimento de seu arqui-inimigo Prof. Moriarty. Também escrevi um post em 2011 sobre este filme, eis o link. Caleb Carr, escritor famoso por obras como O Alienista e A Assutadora História do Terrorismo, também se aventura em um universo policial victoriano a fim de atribuir outra empreitada investigativa ao nosso grande detetive sobre o título O Secretário Italiano. Tanto Carr quanto Spielberg procuram, no entanto, manter imaculada as origens e os elementos básicos que traçaram o perfil elegante, inteligente e astucioso de Sherlock Holmes, buscando respeitar todo o legado de Sir Arthur.
Não é diferente o filme Visões de Sherlock Holmes (The Seven-Per-Cent Solution) onde mais uma vez nosso herói é reinventado com maestria merecendo um post só pra isso. O filme foi adaptado para o cinema em 1976 sob a direção de Herbert Ross, tendo base o livro homônimo de Nicholas Meyer e foi uma produção da Universal Studios.


Antes de mais nada, seu roteiro é simplesmente inteligentíssimo, também não poderia ser diferente se a intenção é manter intocados os elementos que formam o mito do personagem da Baker Street. O filme, assim como outras obras, trata, no entanto, de elementos obscuros da personalidade de Sherlock Holmes que não são devidamente esclarecidos por Conan Doyle ao longo de suas obras, permitindo que a imaginação de novos escritores e roteiristas explore com relativo conforte e segurança nosso querido personagem e seu universo. Especialmente nesta obra cinematográfica, Watson (como habitualmente nas demais obras) trata de ser o biógrafo de Sherlock Holmes em uma dificílima empreitada pessoal: se livrar do vício da cocaína, aspecto comumente mencionado ao longo dos romances sherloqueanos. Para tanto, Sherlock Holmes é levado a Viena por Watson para tentar se curar através de um tratamento guiado pela mente igualmente brilhante de Sigmund Freud. Enquanto o psicanalista ajuda Holmes com seus fantasmas do passado, o detetive tenta desvendar um crime envolvendo uma ex-paciente.

Freud, Holmes e Watson
Como já disse, o filme é muito bacana, as mistura que é feita com personagens reais (Freud) e fictícios (Holmes e seu universo) é um presente para os fãns como eu do detetive, pois ao abordar a habilidade de ambos, Nicholas Meyer demonstra ser um grande roteirista e escritor, inteligente a altura dos personagens que trabalhou.
Entretanto, o detalhe que mais chama a atenção no filme é justamente a abordagem aos aspectos obscuros de Sherlock Holmes. No filme, o início do seu vício em cocaína é revelado, bem como sua dificuldade no relacionamento com mulheres e sua obsessão em caçar o Prof. Moriarty que, no filme, é tratado não como o arqui-inimigo de Holmes mas como um ex-professor seu que é perseguido injustamente devido a um trauma vivido por ele na infância. Aspectos cuidadosamente trabalhados para que não se comprometesse qualquer legado literário.

 
O filme termina de ser o que é: uma verdadeira delícia, pelo incrível elenco presente. Como Dr. Watson temos Robert Duvall, Nicol Williamson como Sherlock e nada menos que Alan Arkin como Sigmund Freud. Inicialmente o filme inicia-se sombrio mostrando os delírios psicodélicos de um cocaínomano que é Sherlock Holmes passando pelo início de seu tratamente em Viena junto a Dr. Freud mostrando seu sofrimento mental. Da segunda metade em diante tem-se o início de uma aventura policial que culmina em um duelo de esgrima no teto de um vagão de trem em movimento. Filme com roteiro bem escrito e montado. Vale muito a pena assistir.
Humilde opinião de quem vos escreve...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

27/01: o nosso 11/09


Quando que eu iria imaginar que, após uma janta com minha esposa, mãe e tia, passando pelos bares da cidade mostrando quais eram os "points" do momento, algumas horas depois, na madrugada, iria ser acordado pela mesma tia, com a notícia de que um incêndio na "tal da Kiss", a mesma que tinha mostrado na noite que passara de carro, estava vitimando cerca de 20 pessoas, e o número de mortos ainda era impreciso. Isso já era dia 27/01, as 4h da manhã quando fui acordado. Imediatamente liguei acordei minha esposa, ligamos o rádio e acessamos o Facebook e a partir daí começamos a acompanhar o horrendo desdobramento da situação. O sono já não seria o mesmo sem mesmo imaginar o pior que iria por vir: logo nas proximas horas não seriam 20 mas 40, e depois não mais 40 mas 80. A partir daí os números, como todos já sabem, não pararam de aumentar e começamos a viver uma realidade surreal para todos nós. Por mais que a realidade das sirenes de ambulancia cortando a Avenida Dores denunciassem o pior, estava tudo muito longe de nossa imaginação o que realmente teria ocorrido. Logo pela manhã já tivemos as fatídicas confirmações de duas centenas de mortos e a perda de um colega de trabalho no incêndio. Tudo já era surreal, Santa Maria não era mais uma cidade inocente, o aniversário de nossa comadre e o 1º aninho de uma filhinha de uma colega nossa foram sucumbidos pela tragédia deflagrada. Para piorar, além da perda de um colega querido, a confirmação da morte de tantos outros conhecidos e a internação do irmão de nossa comadre vitimado pelo incendio tambem nos atordoou. Confesso que seria bem mais facil assimilar a perda de um colega se não fosse a magnitude de tudo isso.
Ao ligarmos a TV era só o que passava, a situação começou a passar do surreal quando o Globo Esporte foi completamente cancelado em virtude do fato e demais canais de TV passaram a mudar suas programações em ambito nacional por causa daquilo. Twits de Axl Rose e de Lady Gaga se solidarizando nos deixavam mais atonitos: não dava pra acreditar, como ainda é difícil de entender e mesmo de aceitar o que ocorreu. A coisa já tinha passado do surreal a muito tempo.
A triste realidade de que nossa cidade passara a ser conhecida mundialmente não por ser importante do centro do RS, universitária com mais de 5 universidades e inúmeros polos de ensino, com o 2º maior contingente militar do país, por ter sido um centro ferroviário no passado, mas por uma desgraça que marcaria de vez sua bonita história.
O domingo sempre foi tranquilo em Santa Maria, mas desta vez passou a ser mórbido, lutuoso e horrivelmente chocante. Estavamos vivendo um pesadelo, o nosso 11 de Setembro: 27 de janeiro de 2013, o dia em que a vida de mais de 2 centenas de jovens foi brutalmente ceifada. Somente agora, um mes depois, tenho uma visão um pouco mais clara sobre o que ocorreu, e mesmo assim a sensação é de que não foi aqui, relutando de que tal desgraça nunca poderia bater a nossa porta como bateu naquele domingo. De repente, viamos um cenário de guerra: o campo da Brigada Miliar, logo ali a frente, se tornou palco de uma base militar de vôos incessantes de helicopteros militares, os novíssimos blackhawks da base aérea onde a decolagem de cada um significava uma vida em grande perigo sendo socorrida desesperadamente, tinha curiosidade em ver o novos helicopteros de perto mas não imaginaria naquelas circunstâncias. Tentei coxilar a tarde, mas o ronco daqueles motores parecia uma melodia fúnebre, bem como o som das sirenes da ambulancia que insistiam em não silenciar. Fui ao portão, e vimos um silencio perturbador nas ruas, contrastanto com o bombardeio incessante da mídia de notícias absurdas aos nossos ouvidos e não menos tristes, para não dizer desesperadoras. Tentei relaxar ao cair da noite me dirigindo ao Posto Bambino para tomar uma cerveja sem deixar de refletir como todos sobre o que estava acontecendo. Não deu certo: me deparei com uma fila de carros fúnebres de diversas localidades do estado abastecendo para tomar viagem com suas morbidas bagagens. Aquilo me chocou mais ainda.
Passados 30 dias de sofrimento, investigações, esclarecimentos, especulações, acusações, e principalmente, demonstrações incríveis de solidariedade humana, tomo coragem para compor este texto expressando o que penso disso tudo, desse absurdo inimaginavel que assolou nossos corações.
Devo dizer que tenho a certeza de que, se eu estivesse lá, provavelmente estaria morto, mesmo que escapando do incêndio em si, pois voltaria para ajudar e não saberia da letalidade daquela fumaça negra que mais tarde vitimaria tantos outros, pois assim trabalharia minha consciencia de cristão, escoteiro e humano. Sim, se escapasse daquele inferno, morreria ajudando, mesmo sem saber que teria uma morte santa, pois estaria fazendo o bem.
Certo do que nada que iremos dizer trará aquelas "crianças" de volta, as minhas profundas conclusões sobre esse episódio nefasto em nossa cidade são as seguintes...
Em primeiro lugar, tudo isso nos mostrou o que a inconsequencia de se fingir que se cumpre uma lei, bem como o mesmo fingimento de que se fiscaliza pode ser terrível. Não vamos longe para entender tudo isso: no clube que eu frequento sou obrigado a apresentar um atestado médico de aptidão física para frequentar a academia. Com um médico conhecido consegui o tal atestado, agora me pergunte se ele por acaso me examinou? Então quantos outros passam por procedimentos que seriam para a segurança de todos e que simplesmente são tratados como praxe burocrática? Quantos "galhos" são quebrados na prefeitura, nas autarquias e tantas outras repartições publicas: uma ajudinha para regularizar aqui, uma liberação temporária ali, e assim vamos construindo o sentimento de que definitivamente as leis não são cumpridas, ao menos não como deveriam e senão apenas no papel, nos fazendo criar um arrepio que percorre a espinha em vista ao enorme risco que passamos a perceber em que nossas vidas estão submetidas. É muito fácil assinar um laudo técnico achando ser "pouca coisa", pensando em estar ajudando ou mesmo ganhando um dinheiro fácil sobre um serviço que não exigiria sequer um pouco de esforço intelectual, pois tudo é uma "frescura" do governo, e serve também para quem fiscaliza. Nem mesmo o judiciário se escapa, pois quantas liminares vimos serem dadas sem um mínimo de critério técnico. E deu no que deu. Imagino sinceramente a  quantidade de engenheiros por este país afora com sono perdido por dias refletindo sobre esta tragédia e vinculando suas atividades profissionais com a tragédia, imaginando se alguma providencia técnica tomada por ele não fora negligente a ponto de causar tal catástrofe. Não consigo imaginar meu pai, Adi Forgiarini, se em vida hoje, fora do contexto da administração pública municipal, como engenheiro e político que foi, assim como o imaginaria atordoado por esse pesadelo que ocorreu e certamente obrigado a dar inúmeras explicações sobre o ocorrido. Não seria fácil para ele, especialmente pelo cristão, homem responsável e pai que era, assim como me lembro das pressões que ele sofria por muitos, especialmente por colegas políticos, para que "quebrasse galhos" de pessoas com relação a seus negócios pela cidade no que se referia a entraves "burocráticos" na prefeitura. Sim, eu não tenho dúvidas disso, as cerca de 240 vítimas fatais foram vítimas dessa tecnocracia.
Em segundo lugar, vejo agora a busca enérgica por culpados, e não me refiro aos proprietários da Kiss, mas das autoridades que teriam permitido aquele estabelecimento de funcionar. Prato cheio para a politicagem e espaço para a tomada de medidas importantes porém tardias sobre os tramites de liberação de alvarás de casas noturnas, não apenas em Santa Maria, mas em todo o Brasil. E aí vemos aquela velha máxima: "foi preciso ocorrer algo assim para que se levasse a sério muita coisa". Sim, os culpados devem ser apurados, as autoridades devem explicações, o prefeito deve ser questionado e apurada a sua responsabilidade sobre o ocorrido, bem como os bombeiros, cujo comandante da ápoca sequer "se lembra" de ter expedido alvará para a Kiss, o que significa que ele mesmo elevou Santa Maria ao patamar de metropole pois certamente esta autoridade deve considerar um número muito grande de casas noturnas na cidade tal qual num ametropole, a ponto de não se lembrar de ter expedido alvará para uma boate de tamanho relativamente grande como a Kiss. Sorte ou azar do atual prefeito? Os dois: azar porque foi na gestão dele, pois essa situação era uma bomba relógio em nossa cidade que poderia explodir em qualquer gestão (eu digo "qualquer"), pois nunca houve a devida seriedade no cumprimento da lei, mesmo Santa Maria sendo referencia no estado todo com seu Codigo de Prevenção contra Incendio (cujo relator, em 1991 foi o Vereador Adi Forgiarini). Isso é um fato, seja na gestão do Schirmer, seja no Valdeci, Oswaldo ou Farret. Mas também foi sorte dele, sarcasticamente falando (se é que há espaço para isso), pois é seu segundo mandato e ele não mais concorrerá a reeleição. Fodido estará seu candidato a prefeito na proxima eleição, e nesta veremos como serão os candidatos: se serão infâmes ao usar esta tragédia como apelo político ou éticos ao aborda-las em tom solene em suas campanhas em prol da melhoria da segurança. Reforço que esta situação era uma bomba relogio pois Santa Maria está cada vez mais pulsante com tantos e tantos jovens que aqui aportam em numero cada vez maior para estudarem e o consequente aumento da demanda de espaços de diversão noturna como a Kiss. E essa é uma tendencia que deve continuar, e precisa, pois é a vocação universitária da cidade que nos impele a isso. Então, a máquina ´pública deve estar preparada para isso. Acho que a partir de agora vai estar, independente do gestor, pena que deve de ocorrer uma tragédia para as coisas acontecerem como devem.
Agora vemos as piadas das CPIs. Alguns vão me criticar: "como assim, tu acha que não precisa de CPI?..." Eu acho que não! As CPIs ao meu ver (eu disse, ao meu ver...) são apenas julgamentos políticos que na história do nosso país, em qualquer dos ambitos, sempre serviu para a promoção ou execração política, e nunca chegou a resultados concretos, confiáveis e efetivos. Presenciamos a presepada de um deputado estadual daqui da cidade que foi chutado da CPI da Assembléia Legislativa que vai tratar do assunto pelo Presidente da Assembléia por simplesmente ter rabo preso com um dos proprietários, ao contrario do que ele mesmo afirma de ter se retirado, e todos conhecem o perfil fanfarrão do cidadão que me refiro. Para completar, vemos a palhaçada da CPI Municipal, onde vereadores da situação e oposição brigam a unha para o controle desta. Por que isso? Hummm... De confiável mesmo, apenas as investigações do Ministério Público e da Polícia Civil, porque de resto... Para completar a série de brajeiradas políticas, ainda temos o cala-te boca do governador sobre o Corpo de Bombeiros da cidade e a enrolação da Prefeitura Municipal em entregar documentos. É,... pegou todos no contra-pe: um simples relatorio de sistema que se torna alvará e uma lista de documentos que todos imaginavam nunca mais precisar consulta-los. Que coisa...
Por fim temos os protagonistas do episódio, sem considerar as 240 mortes: Maurinho Hoffmann e Kiko Spohr. Sabe, o Bairro Dores é um lugar interessante: além de ser o mais tradicional dos bairros da cidade com famílias tradicionais, tem o melhor clube (indiscutivelmente), o melhor shopping, a paróquia mais atuante, e por aí... assim como renomados "filhos". Recordo quando tinha 5 anos quando já conhecia o Mauro Hoffmann jogando volei nas quadras de areia do Clube, assim como me lembro dele junto a turma do  bairro, no bar do Ravanello, nos carnavais e tal. Quando ele se tornou "barão da noite" desligou-se do bairro, da turma e dos seus antigos amigos (palavras deles) e tornou-se esta criatura notívara e mitológica da cidade. Ele passou a se tornar sinônimo de festa, onde inúmeros boyzinhos ficavam puxando seu saco por uma entrada gratis no Absinto ou nas festas que ele promovia, ou mesmo para serem "promouters" e ficarem populares na cidade. Maurinho é um cara inteligente, um empreendedor, odiados por muitos é verdade por motivos muitas vezes obscuros, mas ágil e sagaz e não foi a toa que se auto-intitulou de "o Barão da Noite", pois em muitas casas noturnas, bares e restaurantes tem-se o dedo dele, o apenas seu dinheiro. Não tenho a coragem que o João Batista Veras teve ao afirmar coisas sobre ele (veja o vídeo abaixo), mas afirmo já ter ouvido todas estas de várias bocas, sem confirmação nenhuma, ressalto.


 Se bem que mais ferrado do que agora, com 240 mortes nas costas, ele não poderá estar.
Quanto ao Kiko, nunca vi mais gordo. Mas tava na cara qual era a desse cara. Assim como tantos que já brincaram de empresarios da noite nesta cidade, ele só queria curtir, queria ficar famoso na balada e popular, tanto que afirmou em entrevista que estava vivendo um sonho. Isso também foi característica da cidade. Quando eu frequentava a noite (Café Brasil, Chá Bar, Bar In Bar, Panacéia, Luna Luna, Winners, Eventual, Cinema...) todos queriam primeiro saber "de quem era o bar". Me lembro do tempo do Coyote onde era o máximo para o boyzinho ficar do outro lado do balcão para mostrar que era amiguinho do dono, que patético. Então o Kiko era isso, numa inocência totalmente inconsequente que sequer passou pela cabeça o genocídio que uma casa noturna como aquela poderia causar. Pior: aceitou sociedade com um cara que é uma aguia e não bota nada a perder, tanto que quando deu a merda a primeira coisa que disse foi "não tenho nada haver com isso, sou apenas partícipe financeiro".
Pois bem, aprendemos na dor, infelizmente, uma baita dor. Sem querer ser insensível, no entanto, tenho a certeza de que Santa Maria vai se reerguer e a sua noite voltará a ser viva, pulsante e alegre, pois é vocação da cidade acolher jovens e propiciar a eles momentos mágicos que só esta fase da vida pode propiciar. Ao mesmo tempo, sei que não devemos esquecer este trágico erro, encontrar os culpados, responsabiliza-los e fazer destes exemplos. Chega de inconsequencia, chega de irresponsabilidade, chega de falta de seriedade, chega de brincar com a vida das pessoas. Não tem como não se colocar no lugar dos pais. Imaginem muitos destes acharem que o simples fato do seu filho tomar um taxi para chegar a boate e outro para chegar em casa já estaria seguro. Sim, este pensamento seria o correto, se a boate não fosse uma câmara de gás letal como foi a Kiss.
Apenas agora temo a fanfarronice política que vem aí sobre esse episódio. E já deu indícios de que será muito grande e despudorada. Tomara que eu esteja errado.
Abaixo, o link do depoimento da jornalista Sandra Annenberg sobre sua cobertura desta tragédia.

http://globotv.globo.com/rede-globo/rede-globo/v/sandra-annenberg-fala-sobre-o-trabalho-na-cobertura-da-tragedia-em-santa-maria/2395429/