Como eu me propuz a escrever uma série de posts dedicada específicamente ao assunto do mitológico Santo Graal, inevitável não abordar por um momento o assunto das Sagradas Cruzadas. Afinal, foi exatamente no momento histórico em que ocorreu estas expedições militares de motivação religiosa que surgem as menções do Sacro Cálice na literatura medieval ocidental.
Sendo assim, nada mais correto que contextualizar históricamente a busca do Graal, tentando explicar alguns elementos que surgem ao longo da lenda do Cálice. Nesse caso, fazer uma breve leitura sobre as Cruzadas nos auxiliará a entender o fervilhante momento histórico onde Chréstien de Troyes, Wolfram Von Eschenbach e Robert de Boron conceberam suas obras bem como nos fará compreender melhor o proximo post que escreverei, que falará dos Cavaleiros Templários.
Pois bem, vamos lá...
Papa Urbano II e Monge Pedro conclamando os fiéis |
Super Interessante, Ano 9 N.º 10 out 1995
“... Estas expedições, religiosas e militares ao mesmo tempo, nas quais tomaram parte quase todos os países europeus, sucederam-se, com intervalos mais ou menos longos, dos fins do séc. XI aos últimos anos do séc XIII. Umas fizeram-se por terra, outras por mar.”
Antônio G. Matoso. História de Portugal, Lisboa, 1939, vol. I, 72
A visita aos lugares santos de Jerusalém era a principal meta do peregrino europeu, até que os Turcos Seldjúcidas conquistaram a Palestina em 1078, impedindo seu acesso aos cristãos. Um dos mais caros valores da espiritualidade medieval estava sendo ameaçado, e os europeus não hesitaram em organizar expedições militares para “resgatar a Terra Santa das mãos dos infiéis”. Estas expedições receberam o nome de Cruzadas. Seus integrantes distinguiam-se do guerreiro comum porque usavam uma cruz em suas vestes como símbolo. Eram os guerreiros-vassalos do Cristo-Suserano.
As Cruzadas na Terra Santa começaram em 1095 e terminaram em 1291, com a derrota dos cristãos. Mas, fora da Palestina, continuaram até o século XVI. Houve cruzadas na Espanha e no Báltico, contra os pagãos da Letônia e da Finlândia, contra cristãos herálticos, como os cátaros franceses e os hussitas tchecos, e até contra camponeses sublevados na Alemanha. Todas foram convocadas pelos papas em nome de Cristo e em defesa da cristandade.
As cruzadas expulsaram os muçulmanos da Europa, expandiram a influência européia e criaram países latinos na Palestina que duraram 200 anos, mas falharam no essencial: não conquistaram a Terra Santa. Como se não bastasse tal fracasso, embora fossem convocadas para defender os peregrinos cristãos, perseguidos pelos muçulmanos em Jerusalém e os cristãos do oriente contra a expansão muçulmana, uma das cruzadas, iniciada no século VIII (a Quarta), invadiu Constantinopla, a Roma grega do oriente (também conhecida como Bizâncio, hoje Istambul), saqueou-a e repartiu o Império Bizantino entre barões europeus. Os cristãos gregos nunca mais perdoaram os ocidentais e consumou-se o cisma entre a Igreja Ortodoxa Grega e a Igreja Católica Apostólica Romana, que perdura até hoje.
Para os muçulmanos, a tragédia foi maior. Durante 200 anos, centenas de milhares de peregrinos armados, aventureiros, guerreiros, cavaleiros medievais e exércitos regulares liderados pelos reis da Europa desabaram sobre o Oriente Médio. Embora a guerra fosse contra os muçulmanos, no caminho até Jerusalém, os cruzados também atacaram os judeus.
Na palestina, conviviam cristãos de várias seitas, gregos, armênios, judeus, georgianos, muçulmanos sírios, egípcios e turcos. A cultura islâmica era mais próxima da grega, mais cosmopolita e mais humanista do que a cultura medieval. Mas os muçulmanos eram desunidos e guerreavam entre si, sem parar. Os cruzados encontraram povos independentes e souberam aliar-se com alguns.
Não eram raras as peregrinações de cristãos ao Santo Sepulcro. Os califas muçulmanos não se opunham às visitas, que acabavam sendo lucrativas para eles. No entanto, na segunda metade do século XI, os turcos dominaram grande parte da Ásia Ocidental. Rapidamente, os turcos assimilaram a fé muçulmana. Uma de suas tribos, os seldjúcidas expulsaram os cristãos e proibiram suas peregrinações ao local.
Sob o pretexto de libertar a Terra Santa e impedir o avanço muçulmano na Europa Oriental, o papa Urbano II incentivou a Primeira Cruzada.
As expedições armadas com o objetivo de libertar a Terra Santa do domínio muçulmano estenderam-se de 1096 até 1270. Oito foram as cruzadas oficiais, isto é, organizadas pelo Papa, pelas monarquias européias e pela nobreza. Na verdade, houve um fluxo ininterrupto de peregrinações a Jerusalém, armados ou não, que desembarcavam todos os anos durante a primavera.
Tomada de Jerusalem pelos Cruzados |
No entanto, a expedição mais emblemática que relaciona-se com nossa demanda foi denominada de Primeira Cruzada que ocorreu entre 1095 e 1099: Em 1095 partiram oficialmente os cavaleiros da Primeira Cruzada. Seus chefes eram Roberto da Normandia, Godofredo de Bulhão, Balduíno de flandres, Roberto II de Flandres, Raimundo de Toulousse, Boemundo de Tarento e Tancredo, chefe normando do sul da Itália. Godofredo de Bulhão, então Duque de Lorena, foi eleito Defensor do Santo Sepulcro e seu sucessor foi rei de Jerusalém.
Passando por Constantinopla, onde receberam o apoio do imperador bizantino, os cruzados sitiaram Nicéia; tomaram o sultanato de Doriléia, na Ásia Menor; conquistaram Antioquia; e finalmente avançaram sobre Jerusalém, conquistada em 15 de julho de 1099, depois de um cerco de cinco semanas. O imperador Aleixo I forneceu apoio naval aos cruzados e fez acordo para que a primeiras terras conquistadas integrassem seus domínios. É nessa Cruzada que muitos surgem muitas narrativasd de fatos obscuros, muitos deles considerados apenas apologias ou mesmo lendas.Conta-se, por exemplo:
“... quando os cruzados sitiavam Antioquia... foram surpreendidos pelo exército de Mossul. Desesperados e com fome os cruzados estavam destinados ao fracasso, quando Raimundo de Toulouse recebeu um pobre padre provençal chamado Bartolomeu, que lhe disse que o apóstolo André lhe tinha aparecido em seus sonhos e dissera que uma relíquia capaz de trazer a vitória aos cruzados – a lança que transpassara o flanco de Jesus crucificado – estava enterrada no solo de uma cidade chamada Petrus. Raimundo seguiu o homem até a igreja que indicaria o local. Doze homens escavaram o dia todo, enquanto milhares deles esperavam no lado de fora da igreja. Perto do crepúsculo, o próprio Pedro desceu e voltou trazendo na mão a lança sagrada. Uma enorme ovação saudou sua reaparição. Quando os cruzados avançaram, precedidos da lança sagrada, mostraram-se irresistíveis. E ganharam a cidade de Antioquia.”
Os chefes cruzados fundaram então uma série de Estados Cristãos no Oriente Médio. Cuja organização obedecia ao sistema existente na Europa, o feudalismo. Foram fundados, na Primeira Cruzada, quatro estados latinos no oriente: o condado de Edessa, o principado de Antioquia, o condado de Trípoli e o reino de Jerusalém.
A conquista de Jerusalém foi episódio de grande carnificina. Segundo cronistas da época, os cruzados cometiam atos hediondos como estupros, canibalismo e penduravam as cabeças de seus inimigos em lanças para intimidar os muçulmanos a medida que avançavam sobre seu território.
Em junho de 1099, os Cruzados chegam a Jerusalém, que foi sitiada e capturada em julho. Os primeiros a porem os pés nas muralhas da Cidade Santa foram dois irmãos flamengos. Por essa proeza tornaram-se heróis legendários. Os guerreiros que permaneceram no oriente tornaram-se proprietários de terras, nos moldes do feudalismo europeu. Outros fundaram ordens militares, que foram importantíssimas para defesa das regiões conquistadas e para dar assistência aos peregrinos. Os monges-cavaleiros (Templários em 1100, Hospitalários em 1118, Teutônicos em 1190) acumulavam enorme fortuna em terras, por meio de donativos e de empreendimentos financeiros. No oriente, estes guerreiros eram mais poderosos que a nobreza e os outros representantes da Igreja.
Eu poderia escrever muito mais sobre as Cruzadas. Afinal, esse movimento militar foi o grande responsavel pelo incremento e renovação de toda a cultura ocidental, no momento em que os europeus entram em contato com a então avançada cultura árabe.
Entretanto, saber um pouco sobre As Cruzadas é necessário para que possamos compreender o que tenho a contar mais adiante.
O melhor está por vir...