sexta-feira, 20 de março de 2020

Meu amiguinho Teddy


Nunca na minha vida eu poderia imaginar que iria estar na situação que estou hoje: “descornado”.

Apesar de tentar falar para mim mesmo de forma insistente essa frase “não dava mais” como um mantra, não consigo esquecer essa desgraçada. Agora que três meses já se passaram, me pego sozinho nessa porcaria de apartamento tentando não pensar nela, em vão. É a quinta garrafa de whisky que derrubo de dois meses para cá. Toda noite um porrezinho, meia carteira de cigarro, lágrimas de saudade e a imagem dela que não sai da minha cabeça.

Alice, que cagada fui fazer! Achei que poderia ficar sem você ou mesmo que você era de fato o problema. Mas não. Agora sinto a tua falta, e pelos cantos durante a madrugada fico chorando com o copo na mão feito um imbecil lamentando minhas burradas. O pior de tudo é que agora é tarde, pois já achou outro cara, outro “boy” como as mulheres adoram dizer, ou como ela mesma disse para suas amigas.

“Boy”, puta que pariu!.

Minha única ligação com a Alice agora é você Teddy, capetinha Yorkshire. Quando que iria imaginar que tua companhia seria meu alento nessas longas noites? Mesmo após ter detonado uns quantos pares de tênis meus, sem falar do último controle remoto da TV que você comeu inteirinho. Agora somos nós dois, cachorrinho. E, nem meu, eu posso dizer que você é, pois ainda tenho que dividir a sua guarda com Alice. Bem, ao menos foi esse o subterfúgio que usei para poder continuar a vê-la, mesmo que por uns minutos quando ela vem te pegar ou te devolver. E quantas vezes já propus a ela para que eu o levasse a sua casa, mas acho que ela não quer que a veja com seu novo... boy. Puta que pariu!

- Que situação hein, Teddy? Agora aqui, deitado na cama, e conversando com um cachorro sob meu abdômen, pois é o que me resta. Olha para mim e me diz Teddy, o que eu faço com essa minha porcaria de vida?

- Bom, para começar tem que parar de chorar feito uma menininha.

De onde veio essa voz?

- Teddy, chega pra lá. Deixa eu... Quem tá falando?

- Sou eu o vacilão!

- Teddy?

- Não, o travesseiro. Claro que sou eu o imbecil.

Ai meu Deus. Acho que tô a um passo do alcoolismo.

- Viu só Teddy, já estou ouvindo você falar, ah ah ah.

- Por que você trocou o Jack Daniel’s por Natu Nobilis. A grana tá tão curta assim?

- Não é que fui ao mercado e só achei.... Teddy?! É você mesmo?

- Não o mané, já disse que é o travesseiro. E aí, vamos conversar ou não?

- Ma..mas, como isso é possível?

- Assim, um fala e outro escuta. Que tal?

- Teddy?!....

- Sou eu porra! Só porque sou um Yorkshire acha que eu só serviria para cagar, mijar e empatar a foda de vocês?

- “Empatar foda”?

- É, não era do que você me chamava quando estavam transando e eu pulava na cama e lambia a cara de vocês? “Empata foda”, Ah ah ah,! Cara, como era divertido ver você ficar puto comigo. Mais divertido ainda quando você ia tentar me pegar e eu ia para baixo da cama. Ah ah ah.

- Meu Deus, não tô acreditando. Não sabia que essa porcaria de bebida dava alucinações. Agora estou eu falando com meu Yorkshire.

- Seu não, de vocês dois. E Natu Nobilis não dá alucinação, dá dor de cabeça. É ruim mesmo.

- Tá bem. Vou fazer de conta que isso tá acontecendo. Talvez eu possa ouvir uns conselhos seus então...

- Isso, vai sendo sarcástico. Mas lembra de que é você que está na fossa, não eu! Seguinte, vamos ter que agir.

- Ã..., er...Bem. Tá certo.

- Tá a fim de ouvir o que tenho a dizer ou não?

- Ca...claro.

- Beleza. Seguinte, bateu fome, traz um rango pra mim. Pode ser aquele petisco sabor salmão.

- Ta..tá bem. Vou pegar.

- OLHA, NÃO COMPRA MAIS SABOR DE FRANGO. JÁ ENJOEI.

- NÃO GRITA CACHORRO INFELIZ. ALGUÉM PODE OUVIR.

- NINGUÉM VAI ENTENDER. FICA FRIO.

- Toma aqui!

- Valeu. Glop glop... isso é que é comida! Depois lembra de trocar a água do meu pote. Faz mais de semana que você só bota água e não troca. Tá com gosto da minha baba.

- Tá bem!

- Bom, vamos aos fatos. O lance é o seguinte, você foi o maior mané, vacilão e trouxa. Poderia estar numa boa mesmo sem a Alice, mas prefere ficar nessa bad aí. Cara, até a gostosona da Larissa deu bola e você nem as horas...

- Que Larissa?

- A mina do Pet Shop. Aquela bunduda. Ô meu, que filé!

-Teddy! Como você sabe disso?

- Ela só falava de você durante o banho. Aliás, isso é uma coisa que daqui a pouco vamos negociar. Essas porcarias de banho.

- Ah cara, você sabe. Não consigo tirar da cabeça a Alice, então nem olho direito para outras...

- Eu sei, eu sei. Por isso resolvi ter um tête-à-tête contigo. Vamos bolar um plano para consertar tudo isso.

- Como assim?

- Negócio é o seguinte: o cara que tá com ela é o maior babaca, um idiota de marca maior. Ô meu, você não tem noção. Acredita que ele implica com a Alice porque ela bate a colher na borda da panela quando cozinha?

- Sério isso? Mas ela nem gosta de cozinhar...

- É, as coisas mudam. Ou talvez você de tão trouxa não percebia isso.

- Será?

-Aham. Dentre outras coisas. A principal e mais importante de todas é que ele não topa com a minha cara e nem eu com a dele. Já tomei uns três chutes dele que quase me machucaram seriamente. A Alice não viu nada disso e estou de saco cheio desse cara.

- Ele te chutou? Aquele filho da p...

- Calma! Você não tem o que fazer. Até porque ela não iria acreditar que o Yorkshire de vocês fala. Se liga né meu.... Depois, em segundo lugar é o fato de que ela não te esqueceu.

- Como sabe disso?

- Molezinha. Volta e meia ela me pega no colo e me leva pra cama. Aí pega o celular e fica fuçando no teu Facebook. Claro que não vai encontrar nada de novo porque você é um mané, bonitão e sarado, mas que fica choramingando e não é capaz de pegar ninguém e....

- Dá um tempo o cachorro de merda!

- Foi mal, foi mal... Bom, mas aí um desses dias eu a vi revirando teu Facebook e quando vi ela começou a me apertar e a chorar. Então, a dedução é simples.

- Sério isso?

- Pode crê magrão! Então, achei que tava na hora de eu entrar em campo. Sabe, o inverno vai chegar e dormir no meio de vocês é tudo de bom.

- Vira-lata interesseiro.Ah ah ah.

- Yorkshire, por favor!

- Muito bem. Qual é o plano?

- Seguinte: eu bolei quatro etapas. A primeira depende só de você. Tem a segunda que é por minha conta, a terceira e a quarta... são com você também. Portanto, a primeira vai consistir em você mudar alguns hábitos e algumas posturas. Não adianta fazer nada se você não estiver preparado para segurar a onda. Não pode ser como antes.

- Como assim?

- Cara, eu sei que você gosta de ler e tal, mas não pode ficar seu tempo todo livre mergulhado em livros. Olha, eu curto os seus livros, tipo aqueles do Conan Doyle e do Alla Poe, mas você tem que dar mais atenção para ela. Tem que fazer coisas que ela gosta também, como um barzinho de vez em quando, um motelzinho.... Isso se der certo o plano e vocês voltarem, claro

- É, já notei isso. Nem sempre o que me agrada agradava a ela. Então, realmente, acho que eu deveria... Espera aí? Como pode um cachorrinho que nem você saber  o que ela gosta ou o que leio?

- Bom, primeiro porque ela vive falando essas coisas para as amigas dela, aí sou forçado a ouvir sempre a mesma historinha. Segundo, porque manjo de leitura labial. Você não sabe ler sem mexer os lábios. Li junto contigo seus livros só olhando para os seus beiços enquanto os lia. Puxa, me lembrei quando leu aquele último do Umberto Eco. Putz, que livro chato...

- Teddy?!

- Ainda bem que parou de ler Schopenhauer. Tava me dando um nó na cabeça e não entendia porra nenhuma. Cara, odeio filosofia!

- Teddy?!

- Viu, deixa eu te sugerir uma coisa. Que tal começar a ler em voz alta comigo? Cansa ficar olhando para a tua boca toda a hora.

- Teddy?!

- Vai só ficar falando “Teddy, Teddy, Teddy”? Que coisa chata....

- Tá bom, tá bom... É que é uma novidade pra mim você estar assim...

- ...falando.

- É! Meu Deus, tô ficando louco...

- Tá não meu velho. Relaxa. Deixa eu te contar outra daquele carinha: é o maior porcão. Esses dias chegou lá em casa numa paulada de bêbado e numa chubasa do caralho.

- “Chubasa”?

- O combo “chulé, bafo e asa”. Cara, a Alice botou ele pra correr, não dava pra aguentar a caatinga. Foi assim que eu vi a primeira decepção dela com ele. Ela nem quis dar pra ele naquele dia.

- Vai tomar no cu, seu merdinha!

- Ah, cai na real! Olha só, aí comecei a investigar mais. Teve um dia que eles estavam transando e...

- Teddy, dá um tempo!

- Quer ouvir ou não?

- Tá, fala!

- Aí eles estavam transando e fui fuçar nas roupas dele e peguei sua cueca que tava jogada no chão. Foi aí que plantei a primeira sementinha do mal. Eh eh eh.

- Como assim?

- Tinha uma baita freada de bicicleta na cueca dele. Levei a cueca pra cama e larguei na cara dela. Ela viu aquilo e ficou toda sem jeito. O cara queria me matar na hora.

- Ah ah ah. Sério?

- Tô te falando brother! E tem mais: ele é fake!

- Fake?

- Sim! Precisa de azulzinho pra funcionar, senão o pinto dele fica meia bomba. No bolso da calça dele sempre tinha uma cartela. Contei quantos comprimidos tinha antes e depois do sexo deles.

- Não tô acreditando...

- Sério. Nada contra, pois sei que as vezes você também usava com ela.

- Teddy?!

- Para com isso. Sem stress, as vezes tem que usar mesmo pra não dar fiasco. Não lembra da vez que você encontrou um azulzinho dos seus no chão? Fui eu quem tirei da cartela. Dei umas lambidas e fiquei doidão.

- Foi aquela vez que você não recolhia mais seu pinto?

- Sim. Isso é outra coisa a negociar depois.

- Eh, eh, eh. Teddy, você é sensacional!

- Eu sei, meu querido. Ah, tem outra. O cara é o maior sem-vergonha!

- Como sabe disso?

- Durante uma transa deles peguei o celular dele. Acessei o Whatsapp dele e estava cheio de galinhagem com umas biscates.

- Como você fez isso?

- Peguei a manha. Eu o fiz ver que estava com o celular dele na boca, lambi o sensor de digital para deixar todo melecado, então ele só conseguia acessar digitando a senha. Foi quando a roubei. Depois eles estavam deitados e eu acessei. Foi barbada.

- Teddy, você é incrível!

- Eu sei meu querido, não precisa me bajular. Bom, a parada é a seguinte: ela já está de saco cheio dele, então só falta um empurrãozinho. Vou fazer isso na próxima transa deles. Deixa pra mim! Depois você entra com a terceira e a quarta fase do plano. A terceira você vai ter que causar ciumes nela.

- De que jeito?

- Usa a imaginação. Bota essa cachola pra funcionar. Você sabe que ela é ciumenta. Além do mais, quando ela sentir ciúmes de você novamente, já era: peixe fisgado!

- Tá bem. Vou pensar em alguma coisa. E a quarta?

- É levá-la para sair. Tenho certeza de que ela vai topar.

- Mas ela tá com o cara!

- Depois que eu entrar em campo, tudo vai mudar meu velho, fica gelo. Mas antes de tudo...

- Antes de tudo o que?

- Vamos negociar.

- Negociar? Tá bem, quais a condições?

- Em primeiro lugar: banho só com a gostosa da Larissa e no verão. Nada de banho no inverno. Cara, vocês nem me deixam ir direito pra rua, pô! Eu nem fico sujo.

- Combinado!

- A segunda é a seguinte: nada de castração. Esse papo de que eu vou viver mais e que não vou ter doenças e tal não cola. Já faz um tempo que vocês diziam que iam me ferrar e não tô a fim de perder minhas bolas.

- Tá bem!

- A terceira: quero sempre uns pedacinhos de carne dos churras que você faz. Enche o saco só ração. Já melhorou com aqueles petiscos de salmão, mas nem se compara com carne né. E quero entrecot!

- Teddy?!... tá bem.

- E por último: sabe a Tifany? Aquela cadelinha Yorkshire do 302? Quero dar uns pegas nela.

- Mas como eu vou fazer isso? Ela até castrada é!

- Não sei. Te vira! Ela é castrada, mas tem pepeca. Lembra quando dei umas lambidas nela no jardim da frente do prédio a um tempo atrás? Fiquei locão e ela também.

- Tá combinado. Mas como vai fazer pra dar o tal empurrãozinho?

- Na próxima transa deles. Quando estiverem trepando, vou morder a bunda dele. Vai doer, tanto pra ele quanto pra mim, porque vou levar um pau. Mas aí vai ser a gota d’água para ela. Você sabe o quanto ela me ama e, como já disse, ele me detesta. Já deixou bem claro para ela isso várias vezes, e ela não gostou nadinha.

- Tá bem Teddy!

- Agora vamos dormir. Não aguento esse teu bafo de whisky vagabundo e você tem que trabalhar. Vai, deixa eu dormir de conchinha aí....

No outro dia...

Meu Deus. Que sonho mais louco! Então, passei a noite inteira conversando com meu Yorkshire. Só eu mesmo!

- Bom dia Cassiano.

- Oi, bom dia Alice.

- Desculpa a demora, mas o trânsito tava horrível e...

- Não, não! Sem problemas. Aproveitei o tempo de sua espera para ler um pouco com o Teddy aqui no colo. Tá um dia bonito e resolvi trazer um pouco ele aqui fora no parquinho.

- Sim, tá um dia lindo. Que coisa engraçada, é impressão minha ou você estava lendo para o Teddy?

- Na...não! É que eu vi na internet que, lendo em voz alta a gente assimila mais rápido o conteúdo. Então estou praticando.

- Ah, entendi. Muito bem, vamos então Teddy? Vamos caminhando com a guia, para você se exercitar um pouco.

- FICA FRIO O VACILÃO, VAI DAR TUDO CERTO!

- Alice, você ouviu isso?

- Sim! Não sei por que motivo, mas o Teddy passou a dar uns latidos diferentes de uns tempos pra cá.

Ou eu ainda estou bêbado ou esse cachorro fala mesmo? Bem, mais um final de semana sozinho, sem ninguém, nem mesmo meu amiguinho Teddy. Se aquilo tudo foi um sonho ou não, só sei que passei a gostar mais daquele fedorentinho.

Dois dias depois...

- Alô! Como vai Alice?

- Oi Cassiano. Pode falar?

- Sim, claro!

- Então, Cassiano, preciso te contar uma coisa. É sobre o Teddy.

- Aconteceu alguma coisa?

- Sim. O Anderson se irritou com ele e... chutou ele pra valer. O pobrezinho voou contra a parede.

- Não acredito nisso! Mas que filho da...

- Sim, é um filho da puta. Mandei ele a merda, não quero mais ver ele na minha frente. Mas não se preocupe, ele está na clínica do Pet Shop, foi examinado, mandei fazer raio-x e ultrassom, não tem nenhuma lesão grave, só está um pouco amoladinho. Ele vai ficar lá em observação. Ai Cassiano, me perdoa. Se eu soubesse que isso iria acontecer...

- Calma Alice, tá tudo bem. Se você disse que ele está bem...

- Sim, nosso fofinho está bem. As meninas do Pet Shop  inclusive se propuseram a ficar com ele hoje e amanhã para observação na casa delas. Só não sei se deixo aos cuidados da Sofia ou da Larissa.

Quem sabe agora? Hora de fazer um "ciumezinho".

- Olha, eu acho a Larissa muito legal e atenciosa, seria uma boa deixa-lo com ela. E, se quiser, posso busca-lo amanhã.

- Ah, bem,... pode ser. Por falar nessa Larissa, eu sei que não é hora, mas... Posso te perguntar uma coisa?

- Sim, claro?

- Você andou pegando ela?

Bingo!

- Quem? A Larissa? Por que essa pergunta agora?

- Porque ela não parava de perguntar de você quando levei o Teddy. Primeiro, veio com o papo perguntando se a gente realmente tinha se separado. Depois, quando eu disse que sim, nem disfarçou mais.

- Desculpa Alice, mas agora quero saber do Teddy. E acho que não teria problema algum se tivesse algo com ela, não é?

- Tá bem, desculpe. Fiquei muito nervosa e confusa com o que aconteceu.

- Se quiser, podemos conversar melhor. Tem compromisso hoje? Não quer comer alguma coisa comigo?

- Ah, pode ser. Acho que vai ser uma boa a gente conversar um pouco. Você andou mudando de habitos? Nunca gostou de sair.

- Talvez.

- Com a Larissa?

- Nossa! Que isso?

- Desculpe, não tenho esse direito. Me pega em casa?

- Sim, te pego as oito da noite.

- Tá, te espero.

Cinco dias depois...

- Boa tarde Dona Francisca!

- Boa tarde Cassiano!

- Dona Francisca, eu soube que a Sra. vai fazer uma excursão com o grupo de idosos do bairro por uma semana, mas não tem com quem deixar a Tifany.

- Sim é verdade.

- Bem. Se a Sra. quiser, ela pode ficar lá em casa...


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