Fanático em história como sou e com um gosto bastante peculiar (pra não dizer estranho) com relação a literatura estou sempre revirando as estantes de livros nas livrarias com temas históricos mas que beiram (eu disse "beiram") ao esoterismo e abordam mistérios da história ocultos e existentes apenas em lendas, contos e narrativas especulativas. Claro, a medida em que a gente lê esse tipo de material que eu chamo de "literatura especulativa" e já dominando um pouco os conceitos aceitos academicamente dos contextos históricos, a gente fica cada vez mais criterioso com relação ao conteúdo que se lê, deixando de tomar tudo aquilo como verdade absoluta. Minha intenção agora é escrever uma série de posts justamente desses livros viajandões que já li e apresentar seu conteúdo sob resenhas. Assim, como já disse, posso falar sobre os assuntos e dar minha oipinião sobre os livros. Muitos de passagem já direi, serão sumariamente detonados. Por essas e outras que o foco de leitura será "levemente" modificado daqui pra diante.
Então vamos lá.
O lance do Graal me levou a ler sobre coisas incríveis que estão nas linhas marginais da história e que são brevemente abordados em artigos acadêmicos. Tais "coisas" são de fato realçadas com o intuito de fundamentar as lendas e especulações históricas. Assim, me peguei já lendo sobre: templários, cátaros, Rosslyn, Montségur, Os Monferrato, Rennes-le Chateau, Priorado de Sion, Leonardo Da Vinci, Opus Dei, Merlin, Rei Arthur, Glastombury, Santa Sara, Linhagem Sagrada, Reis Merovíngios, Familia Martel, Vonfran Von Eishenbach, Robert de Boron, Bernardo de Clairvoix, Chretien de Troyes, Cruzadas, Ordem de Cristo, Infante Dom Henique, Cavaleiros Hospitalários, William Wallace (ele mesmo), Maçonaria, Celtas, Visigodos, Vaticano, As narrativas dos Zenos, os Sinclair, e por aí vai. Não há como não ter uma pequena coleção de livros sobre esses diversos temas que, em algum tipo de lenda ou especulação, se encontram, se entrelaçam e se completam.
Pois é essa a receita do livro "Os Piratas e a Frota Templária Perdida: O Segredo de Cristóvão Colombo", escrito pelo americando David Hatcher Childress.
O título do livro já faz o cara que gosta desse tipo de assunto brilhar os olhos. Não deu outra, gastei 40 pratas na livraria. O assunto é, de fato, muito interessante e a forma de como o livro foi escrito pode ser lido de forma extremamente fácil, sendo uma leitura bastante acessível. Porém, é necessário que tenhamos em mente a natureza da obra: especulativa. Mas então, o que vem a ser a "literatura especulativa"?
Eu considero literatura especulativa toda obra literária que apresenta algum tipo de narrativa histórica como factual, baseada e referenciada em outras obras literárias que também possuem a mesma forma de embasamento mas que não possuem valor acadêmico algum. Em inúmeros casos, como o da obra em questão, se vê a referência a outras publicações que também não possuem credenciais acadêmicas, o que acarreta numa pirâmide de suposições sem valor histórico algum, senão o de puro entretenimento. Também considero literatura especulativa aquela que apresenta um assunto histórico e ao final conclui com uma interrogação. Ou seja, o próprio autor conclui seus capítulos e parágrafos com questionamentos fantasiosos sem se aprofundar na resposta destes caracterizando em incitação à especulação histórica dos fatos apresentados.
Não é a toa que sempre devemos considerar as credenciais dos autores de tais obras para, posteriormente, começar a dar algum crédito naquilo que eles escrevem. Então conheçamos um pouco do autor desta obra, David Hatcher Childress.
De acordo com a Wikipedia, David Hatcher Childress é um autor e editor americano de livros com tópicos em História Alternativa e Revisionismo Histórico. Seus trabalhos tratam de temas como contatos trans-oceânicos pré-colombianos, Tesla, Ordem dos Templários, cidades perdidas e Vimanas. Apesar do seu envolvimento público em áreas gerais de estudo, Childress admite não ter credenciamento acadêmico como arqueólogo profissional ou qualquer outro campo de estudo.
Então já se tem uma base do que sai daí. Childress também é conhecido como o "verdadeiro Indiana Jones", por se embretar nas grotas do mundo atrás de cidades perdidas, tesouros e afins.
Bem, Childress faz uma verdadeira sopa de teorias num livro de apenas 250 páginas. Primeiro começa a abordar a questão Difusionismo X Isolacionismo: coloca em xeque as posições acadêmicas de que a descoberta do continente americano foi feita por europeus no séc. XV e recorda as teorias de que os fenícios e romanos já teriam visitado a costa sul americana do atlântico na antguidade. Nada bem fundamentado, cita o caso das ânforas romanas encontradas no mar proximo a Ilha do Governador no RJ nos anos 70 e de supostas incrições fenícias no Rio Grande do Norte. Se esquece de mencionar as posições oficiais da marinha brasileira e do histórico de estelionato do descobridor das supostas antiguidades, bem como o misterioso desaparecimento dos artefatos do fundo do mar. Em síntese, conta uma história apenas em seu começo, só a parte "boa". Se formos a fundo veremos mais argumentos de improbabilidade de que romanos ou fenícios em suas pequenas embarcações incapazes de transportar muita água potável não conseguiriam atravessar o oceano atlântico. É claro que o assunto é polêmico e cabe sim muita especulação. O sabor do livro ta aí, mas se não tomar cuidado, Childress pode fazer com que você rasgue todos os seus livros de história.
A parte mais bruxa e central do livro é quando Childress aponta o início da pirataria romantica com a perseguição à Ordem Templária e ao sumiço de toda a sua frota. Em síntese, Childress afirma categoricamente que os Templários deram origem aos piratas e tinham como objetivo basicamente afrontar as marinhas católicas. Afirma que os piratas respeitavam países como Inglaterra e Portugal por estes terem sido portos seguros à perseguição promovida pelo Vaticano.
Para qualquer um que tenha um pouco de conhecimento histórico, as teorias de Childress são no mínimo fantasiosas demais, necessário uma pequena averiguação. Peguei um antigo livro da Coleção Coruja, que ganhei quando era criança cujo título era "Histórias de Piratas e Corsários" e comparei as afirmações de Childress com o que a literatura oficial dizia sobre os piratas.
Childress viajou. Ao relembrar a origem da Maçonaria junto à Ordem Templária (até aí tudo bem) foi capaz de afirmar que piratas como Morgan e Kidd seriam.. maçons. A principal atochada de Childress é a afirmação de que os Jolly Rogers (as famosas bandeiras negras) são oriundas dos templários. Afima que as caveiras e ossos cruzados são símbolos templários e que a origem da expressão "Jolly Roger" ("Alegre Rogerio") vem do Rei Normando da Sicilia Rogerio II em afronta a Igreja Católica.
O livro "Histórias de Piratas e Corsários" desmente tudo isso e faz relembrar a verdadeira origem dos piratas românticos quando estes iniciaram como sendo corsários, a serviço de bandeiras e coroas quando estas não dispunham de frotas marítimas de vulto para enfrentar países como Espanha e Portugal que, na época, dominavam os mares. Quando finalmente esses corsários são dispensados pelas nações por estas já terem suas armadas estruturadas, resolvem utilizar suas bandeiras brincando com a morte. Cada capitão pirata adota uma versão do "Jolly Roger".
Por fim, Childress se sobressai ao tentar afirmar que Critovão Colombo não era italiano, mas espanhol e... judeu. Cita uma obra do famoso caçador de nazistas Simon Wiesenthal (um judeu, não é de admirar) ao afirmar que "Cristoforo Colombo" era na verdade "Cristóban Colon" e que era judeu. Por isso sua motivação para atravessar o atlantico era a de encontrar a colonia perdida judia, fundada quando estes cruzaram o atlântico depois da diáspora judia e cuja rota já era conhecida pelos judeus desde o tempo do Rei Salomão, utilizada para trazer o ouro para a contrução de seu templo. Sim, Childress especula (é o que ele mais faz durante todo o livro) que o judeus podem ter chegado até o Mexico e ter entrado em contato com as civilizações pré-colombianas. Daí viria o tesouro para o Grande Templo em Jerusalém.
Achei o livro uma viagem, porém não menos interessante.
Childress ainda afirma que os Templários teriam um projeto: a construção da "Nova Jerusalém", longe de sarracenos e do Vaticano, no Novo Mundo. Daí as expediçoes de William sinclair e Nicoló Zeno a partir das ilhas Orcadas no século XIV.
Childress não segue um único raciocínio em sua obra, caracterizando, como já disse, uma sopa de teorias especulativas inacabadas e sem muito embasamento científico. Vale a pena compra-lo? Sim, vale, mas se tiver plena consciencia de que não se pode toma-lo como uma verdade absoluta.
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