Após um crash em meu notebook, a maior parte da minha antiga pesquisa sobre o Santo Graal (ou melhor, toda ela) foi pro saco. Fazia tempo que gostaria de retornar a escrever sobre o tema ou assuntos que orbitassem essa demanda, mas, para isso, seria necessária uma pequena pesquisa sobre o assunto.
Então vamos lá: o tema em questão deste post há muito tempo gostaria de abordá-lo, mas sequer em minhas anteriores pesquisas eu o havia feito tamanha foi a riqueza de detalhes que o compõem. É claro que, com o passar do tempo, passamos a ser mais criteriosos no que lemos e escrevemos, discernir um pouco mais o que é sério do que é fanfarra.
Bem, o mistério sobre a aldeia francesa de Rennes-Le-Chatêau é um misto dessas duas coisas. Mas para não comprometer o grau de curiosidade sobre o assunto, vamos imediatamente nos remeter ao que elevou este lugarejo misterioso a local de peregrinação de vários entusiastas das conspirações históricas.
O mito de Rennes-Le-Chatêau está em torno da figura do padre Bérenger Saunière que fora transferido para a paróquia local em 1877 com então 33 anos. Conta-se que o então pároco dá início a pequenas obras de restauração na igreja da aldeia dedicada à Santa Maria Madalena e que durante estes trabalhos encontra um possível tesouro que abala totalmente sua vida refletindo em suas próximas ações ao longo de seu trabalho na paróquia.
Após esta descoberta, Saunière começa a gastar quantias incompatíveis com a sua condição de padre nas obras de reformas da igreja, do cemitério em anexo bem como na construção de novos prédios adjacentes a estrutura. Não somente a origem do dinheiro empregado passa a ser já um mistério como também a forma como o empregou, começando por detalhes peculiares na ornamentação da igreja, sugerindo a adição de mensagens subliminares ao longo de toda a estrutura, assim como em pequenas viagens de destino desconhecido e hábitos extravagantes, como a coleção de tecidos e selos.
Em 66 d.C. a Palestina revoltou-se contra o domínio romano. Foi o Imperador Tito que em 70 d.C. deu um fim a situação quebrando o pau e arrasando Jerusalém expulsando de vez os judeus da Palestina (a famosa Diáspora). O Templo de Salomão foi saqueado e o seu conteúdo foi levado em grande pompa para Roma. Para a chegada do espólio do saque à Cidade Eterna, um enorme cortejo foi organizado de modo a receber um tão ilustre tesouro. Pois bem...
No ano 410 Roma cai e a Cidade Eterna foi saqueada pelos bárbaros visigodos chefiados por Alarico, o Grande. Todas as riquezas da cidade foram capturadas e o tesouro do Templo nunca mais foi visto. Durante a Alta Idade Média, conhecida como a Era das Trevas devido a queda de Roma e a falta de organização política e militar da Europa, a região do Languedoc foi de domínio de vários povos até a sua tomada pelos Francos sob o domínio de Clóvis: Iberos, Estrogodos, Celtas e...Visigodos. Sim, a região do Languedoc teve presença visigótica de 440 a 720.
A partir daí muitas peças começam a se encaixar, pra quem tem uma boa imaginação e gosta de histórias de mistérios...
Pra início de conversa, é no sul da França que surgiram muitas das lendas referentes ao Santo Graal e suas derivações. A mais famosa delas na atualidade, a de que o Santo Graal é na verdade um conhecimento e não um objeto cálice, como sendo a menção ao "Sangue Real" (uma linhagem de reis merovíngios descendentes diretamente de Jesus Cristo com Maria Madalena) obtém contextualização através de várias lendas locais. Uma delas fala sobre o suposto desembarque de José de Arimatéia que levava Maria Madalena e sua filha Sara (filha de Jesus) fugidos da Palestina, onde Sara passaria a ser venerada por uma imagem conhecida como a "Santa Negra" devido a sua pele mais escura. Segundo a lenda, Sara teria originado a linhagem dos reis merovíngios. Outras tantas, como a lenda do Rei Pescador, somam-se ao passado mitológico da região. Soma-se a tudo isso o fato de que esta região foi também refúgio dos cátaros (dediquei um post só sobre esse assunto a um tempo atrás), ceita medieval que também carregou consigo uma boa dose de mito a cerca de serem possíveis guardiões do Santo Graal.
Enfim, voltando a Rennes-Le-Chatêau...
Como já falamos, tudo começa quando Saunière resolve trabalhar em reformas na igreja.
Na igreja, começou por efetuar apenas as alterações essenciais. Durante estes primeiros trabalhos, decorridos por volta de 1886-87, Saunière tentou remover o altar-mor da igreja, peça composta por uma pedra que descansava sobre dois pilares. Segundo se diz, um estava em bruto e o outro esculpido. Em um destes pilares afirma-se ter descobertos dois tubos de madeira contendo pergaminhos.
Na igreja, começou por efetuar apenas as alterações essenciais. Durante estes primeiros trabalhos, decorridos por volta de 1886-87, Saunière tentou remover o altar-mor da igreja, peça composta por uma pedra que descansava sobre dois pilares. Segundo se diz, um estava em bruto e o outro esculpido. Em um destes pilares afirma-se ter descobertos dois tubos de madeira contendo pergaminhos.
Ainda durante as obras de restauro da igreja de Sta. Maria Madalena, Saunière levantou um bloco de pedra que estava colocado com a face para baixo em frente ao altar, recorrendo à ajuda de dois trabalhadores. Estes teriam notado imediatamente que se tratava de uma sepultura. Segundo a tradição oral da aldeia, Saunière mandou-os imediatamente embora, exigindo não ser perturbado e proibindo a entrada de quem quer que fosse na igreja. Nesse dia teria trabalhado até tarde, e mesmo noite a dentro, no interior da igreja. Teria comunicado pouco tempo depois a descoberta aos seus superiores imediatos. Não se sabe ao certo o que estaria debaixo do bloco, que teria sido esculpido no século VII ou VIII, mas provavelmente cobria uma câmara funerária. É perfeitamente possível que ocultasse uma câmara com restos mortais e até pequenos tesouros de antigos senhores da região. De fato, Saunière ofereceu a alguns amigos moedas de ouro, um cálice e até jóias visigóticas. Esta pedra ficou conhecida por "la Dalle des Chevaliers" (a Laje dos Cavaleiros).
A partir desse momento, Saunière começa literalmente a viajar na batatinha (ou nem tanto, veja no fim do post porque). Uma série de providências esquisitas a cerca da ornamentação da igreja foi tomada pelo padre aguçando a curiosidade, consumando assim o mistério de Rennes-Le-Chatêau.
Em 1891, quatro anos depois da remoção do altar-mor da igreja, Saunière decidiu aproveitar o pilar esculpido do altar-mor e colocou-o no exterior, debaixo de uma estátua da Virgem de Lourdes. Ao fazê-lo, mandou gravar uma inscrição que ainda hoje é suficientemente legível: "Mission 1891". Há quem veja esta inscrição como um marco deixado por Saunière para a posteridade, assinalando o ano de 1891 como o ano do início da sua "missão". Que missão seria esta? Não se sabe, mas estará certamente relacionada com as várias restaurações e construções que Saunière empreendeu em Rennes-le-Château.
Em 1891, quatro anos depois da remoção do altar-mor da igreja, Saunière decidiu aproveitar o pilar esculpido do altar-mor e colocou-o no exterior, debaixo de uma estátua da Virgem de Lourdes. Ao fazê-lo, mandou gravar uma inscrição que ainda hoje é suficientemente legível: "Mission 1891". Há quem veja esta inscrição como um marco deixado por Saunière para a posteridade, assinalando o ano de 1891 como o ano do início da sua "missão". Que missão seria esta? Não se sabe, mas estará certamente relacionada com as várias restaurações e construções que Saunière empreendeu em Rennes-le-Château.
E assim o padre seguira com uma série de ações bizarras, tais como:
a) Ter gravado na entrada da igreja a frase em latim terribile est locus iste (este lugar é terrível);
b) Postado na entrada da igreja a estátua de um demônio ao qual alguns creem ser a imagem do demônio Asmodeo, guardião dos tesouros;
c) A colocação de uma via-sacra no interior da igreja, da esquerda para a direita, apresentando uma série de inconsistências, algumas óbvias, outras sutis sendo as duas principais: na oitava estação, há uma criança vestida com uma capa escocesa e na décima quarta, onde está retratado o episódio de Jesus a ser levado para o túmulo, o céu está pintado num tom escuro, noturno, como se sugerisse que Jesus tinha sido enterrado à noite.
d) A profanação de túmulos do cemitério ao lado da Igreja, como a do sepulcro de Marie de Négri-d'Ables, mulher do marquês de Hautpoul de Blanchefort, que teria sido desenhado e construído um século antes pelo padre Antoine Bigou, o mesmo que se diz ter sido o autor de dois dos pergaminhos atrás mencionados. Na pedra sepulcral, Bigou mandou gravar uma inscrição aparentemente normal, apesar de conter erros de soletração e de espaçamento, mas que curiosamente constituiria um anagrama perfeito para a decodificação do segundo texto descoberto por Saunière.
e) A aquisição de uma cópia de uma pintura de Nicolas Poussin, Les Bergers d'Arcadie ("Os pastores da Arcádia"). Até há bem pouco tempo, perto de Rennes-le-Château, em Arques, existia uma sepultura igual à pintada por Poussin.
f) A construção de uma mística torre, a Torre Magdala, nos arredores da aldeia.
g) E por aí vai...
Só que tem muita coisa mal contada nessa história...
Esta trama histórica cruza-se, por "acaso do destino", com a de dois amigos parisienses, entusiastas do esoterismo e da mitologia, que tinham ouvido falar dos caçadores do tesouro de Rennes-le-Château e das aventuras e desventuras do "padre dos milhões". Tratava-se de Pierre Plantard, mitômano erudito de aspirações aristocráticas, e Phillipe de Chérisey, marquês de título, ator e surrealista, escritor e fiel braço direito de Plantard. Juntos, percorrem o sul de França e a região de Rennes-le-Château, recolhendo depoimentos da boca dos habitantes locais. Conseguem construir sobre as lendas do padre Saunière, uma boa atochada, um conjunto de mitos modernos e antigos baseado em meias verdades e meias mentiras onde nomes de locais reais e de pessoas reais são misturados com acontecimentos fantasiosos e com documentação forjada. Plantard apresentava-se como "Pierre Plantard de Saint-Clair", o herdeiro legítimo do trono de França, descendente do rei merovíngio Dagoberto II, uma realização inventiva de Chérisey, o artista. Foi Chérisey que criou falsos pergaminhos em código que, supostamente descobertos por Saunière durante as suas obras de restauração da igreja de Santa Maria Madalena provariam a veracidade deste "grande segredo oculto durante séculos". Os picaretas resolvem dar mais credibilidade à sua montagem depositando documentos falsos na Biblioteca Nacional em Paris ao longo dos anos sessenta onde está afirmado que existe uma organização secreta de mais de mil anos chamada de "O Priorado de Sião". Plantard e Chérisey apresentavam-se como a face do Priorado, onde este é responsável por proteger uma linhagem real secreta, da qual Plantard seria o atual descendente. A mitologia de Rennes, graças aos caçadores de tesouros e ao "Priorado de Sião" cresce em popularidade, atingindo toda a França.Pierre Plantard |
O assunto se globaliza com a entrada em cena dos britânicos Lincoln, Baigent e Leigh. Este trio tinha ouvido falar da história do padre de Rennes, e achou que era matéria de best-seller. Não podiam estar mais certos. Na internacionalização do mistério, foi decisivo o papel destes que escreveram em conjunto a obra Holy Blood, Holy Grail (editado no Brasil como O Santo Graal e a Linhagem Sagrada).
A história deturpada de Rennes iria encontrar uma fama bem maior do que aquela para a qual tinha sido destinada. O trio britânico iria fazer escola, levando ao aparecimento de uma claque de seguidores, que surgiriam mais tarde com as suas obras, e cujo babaca que vos escreve nesse momento comprou uma pá de livros nos seu calor de euforia sobre o assunto. Autores como Lionel e Patricia Fanthorpe, Michael Bradley, Richard Andrews e Paul Schellenberger, Robin Mackness e Guy Patton, David Icke, Ean Begg, David Wood, Ian Campbell, Patrick Byrne, Lynn Picknett e Clive Prince, Christopher Knight e Robert Lomas, Marilyn Hopkins, Graham Simmans, Timothy Wallace-Murphy, Andrew Sinclair, Laurence Gardner, Barbara Thiering e Margaret Starbird fazem todos parte da criativa "geração Rennes". Nasceram e cresceram com a leitura das obras de Gérard de Sède, Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln. Todos se tornaram adeptos da mitologia de Rennes, e as suas obras revelam uma adesão total e inabalável às teses do Priorado de Sião. Frequentemente, fazem referências cruzadas às obras uns dos outros, elogiando-se e prefaciando-se mutuamente, de forma a transmitir ao leitor a ideia falsa de que há consenso e plausibilidade científica nas suas teorias. Portanto, se verem algum livro destes caras em alguma livraria, afaste-se imediatamente.
A história deturpada de Rennes iria encontrar uma fama bem maior do que aquela para a qual tinha sido destinada. O trio britânico iria fazer escola, levando ao aparecimento de uma claque de seguidores, que surgiriam mais tarde com as suas obras, e cujo babaca que vos escreve nesse momento comprou uma pá de livros nos seu calor de euforia sobre o assunto. Autores como Lionel e Patricia Fanthorpe, Michael Bradley, Richard Andrews e Paul Schellenberger, Robin Mackness e Guy Patton, David Icke, Ean Begg, David Wood, Ian Campbell, Patrick Byrne, Lynn Picknett e Clive Prince, Christopher Knight e Robert Lomas, Marilyn Hopkins, Graham Simmans, Timothy Wallace-Murphy, Andrew Sinclair, Laurence Gardner, Barbara Thiering e Margaret Starbird fazem todos parte da criativa "geração Rennes". Nasceram e cresceram com a leitura das obras de Gérard de Sède, Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln. Todos se tornaram adeptos da mitologia de Rennes, e as suas obras revelam uma adesão total e inabalável às teses do Priorado de Sião. Frequentemente, fazem referências cruzadas às obras uns dos outros, elogiando-se e prefaciando-se mutuamente, de forma a transmitir ao leitor a ideia falsa de que há consenso e plausibilidade científica nas suas teorias. Portanto, se verem algum livro destes caras em alguma livraria, afaste-se imediatamente.
Então, pra fechar a conta, temos o espertíssimo caça-níqueis do Dan Brown, "O codigo Da Vinci" que mais uma vez dá uma ressuscitadazinha na mitologia de Rennes-Le-Chatêau e consagra a questão da linhagem sagrada como o maior manancial para romances e obras literárias distorcidas dos anos 2000.
Ta bom, ta bom, mas... e os outros detalhes pitorescos elencados acima sobre as excentricidades do padre acerca da reforma da Igreja em Rennes? Evidentemente que, para cada uma destas e tantas outras peculiaridades na história de Saunière em Rennes deve-se ter uma atenção toda especial, pois é devido ao conjunto de todas estas que fazem da mitologia desta aldeia única. Os argumentos que recém apresentei acerca da vigarice de Plantard e seu comparsa desmontam sim boa parte da mitologia moderna de Rennés-Le-Chatêau (moderna porque surgiram em meados dos anos 70 e 80 graças a safadeza dos supracitados). No entanto, não destrói com a mística do local nem com a totalidade de seus mistérios, longe disto. Embora muitas das ações misteriosas do padre possam ter explicações simples e não muito retumbantes, outras ainda permanecem passíveis de especulação histórica e fantasiosa. Além do mais, convenhamos: o padre Saunière é, sem dúvida alguma, um personagem pitoresco e intrigante, pois foi capaz de captar para si inúmeros mistérios onde cada um deles pode até ter explicações, mas de diferentes naturezas e sempre com um pouco de esforço imaginativo. Obviamente que não poderei me dedicar a elucidar todos esses pontos porque senão teria que dedicar um blog inteiro sobre o assunto.
Na verdade, o que temos aqui, portanto, é a detonação de um mito? Talvez sim talvez não. Mas mesmo assim o fascínio por histórias como esta estão longe de acabar... e da própria Rennés.
Para quem quer ler mais sobre o assunto, uns link legais:
Abração a todos.
Excelente texto!
ResponderExcluirObrigada por postar! Muito bem explicado
ResponderExcluirGrande ensinamento! GRATIDÃO!
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